Jornal Médico - No Down Hill… é tudo ou nada

Os pilotos saem a cada 30 segundos. O circuito &eacute; alucinante... . A prova de Down Hill dura entre dois e meio a quatro minutos. Para ganhar, o M&eacute;dico de Fam&iacute;lia David Costa sabe que cada mil&eacute;sima de segundo conta Os pilotos saem a cada 30 segundos. O circuito &eacute; alucinante, a velocidade vertiginosa, os obst&aacute;culos imposs&iacute;veis... No gate, tenta-se controlar a taquicardia que antecede a partida. A prova de Down Hill dura entre dois e meio a quatro minutos. Para ganhar, David Costa sabe que cada mil&eacute;sima de segundo conta. Pelo caminho, os aplausos e os gritos da multid&atilde;o fazem subir a adrenalina ao m&aacute;ximo. Os saltos s&atilde;o espectaculares. Naquele percurso de tr&ecirc;s quil&oacute;metros&hellip; &eacute; tudo ou nada... David Costa, m&eacute;dico de fam&iacute;lia da USF Lavra, do Centro de Sa&uacute;de de Le&ccedil;a da Palmeira, da Unidade Local de Sa&uacute;de (ULS) de Matosinhos, come&ccedil;ou a fazer ciclismo de estrada e tamb&eacute;m de montanha desde muito jovem. Nos &uacute;ltimos anos, dedicou-se &agrave; modalidade de Down Hill, provas mais curtas e com uma exig&ecirc;ncia f&iacute;sica menor, mas t&atilde;o ou mais espectaculares que o BTT. A fase do Down Hill come&ccedil;ou em 1998. Correu com o irm&atilde;o, o Jos&eacute; Costa, para v&aacute;rios clubes, at&eacute; que este o desafiou a criar uma equipa com gente l&aacute; da terra. Foi assim que surgiu a Associa&ccedil;&atilde;o Recreativa de Paradela &ndash; Concelho da Trofa, cujas vertentes principais s&atilde;o o futebol e o Down Hill. A equipa j&aacute; vai com dez anos e muitos trof&eacute;us arrecadados. Inclui elementos juniores (entre os 16 e os 18 anos) elite (at&eacute; aos 39) e masters (ap&oacute;s os 40). O in&iacute;cio n&atilde;o foi f&aacute;cil, at&eacute; porque &eacute; um desporto que requer um investimento importante. O pre&ccedil;o de uma bicicleta de topo oscila entre cinco mil a 7.500 euros e as provas implicam muito desgaste e reposi&ccedil;&atilde;o de material. &ldquo;Estamos a falar de terrenos muito acidentados, com muitas quedas, condicionadas pelas caracter&iacute;sticas do terreno&rdquo;, explica o m&eacute;dico. Uma bicicleta pode durar v&aacute;rias temporadas mas, por ano, &eacute; preciso contar com um m&iacute;nimo de 500 euros para correntes e pneus. Se o problema for a suspens&atilde;o, s&atilde;o mais 1.500...e os trav&otilde;es ficam &agrave; volta de 600... Acresce ainda os fatos de protec&ccedil;&atilde;o dos pilotos, muito semelhantes aos do motocross. Nisso, a Federa&ccedil;&atilde;o Portuguesa de Ciclismo &eacute; muito rigorosa: capacete integral, &oacute;culos, safety jacket (que engloba protec&ccedil;&atilde;o dos ombros, cotovelos, antebra&ccedil;os, peito, coluna e cinta), joelheiras e cal&ccedil;as do tipo motocross que, embora n&atilde;o sejam obrigat&oacute;rias, s&atilde;o de tecido resistente &agrave; fric&ccedil;&atilde;o. Numa competi&ccedil;&atilde;o o que n&atilde;o falta s&atilde;o quedas. Nalguns casos, verdadeiramente espectaculares. Apesar disso, na opini&atilde;o do piloto, &ldquo;o Down Hill &eacute;, talvez, na &aacute;rea do ciclismo, a modalidade em que h&aacute; menos quedas graves&rdquo;. Nas provas participam, em m&eacute;dia, cerca de 400 pilotos. Aos s&aacute;bados fazem descidas em treinos livres. Aos domingos de manh&atilde; realizam duas descidas em treino limitado e &agrave; tarde, duas descidas por prova. Isso significa entre quatro a cinco milhares de passagens e uma m&eacute;dia de 400 a 500 quedas, &ldquo;sem exagero&rdquo;. No in&iacute;cio, cai-se menos. &ldquo;Somos mais cautelosos...n&atilde;o arriscamos tanto mas, a partir do terceiro ano, o caso muda de figura&rdquo;. Na categoria de masters, a m&eacute;dia volta a diminuir. Mesmo assim, de vez em quando, &ldquo;apare&ccedil;o l&aacute; em casa com umas costelas partidas, rotura de ligamentos ou um capacete desfeito&rdquo;. Durante a prova, ou na fase de prepara&ccedil;&atilde;o, &eacute; muito dif&iacute;cil n&atilde;o cair, &ldquo;mesmo para os mais velhos, onde para os quais a t&eacute;cnica come&ccedil;a a substituir o gosto pelo risco intenso&rdquo;. Muita adrenalina encosta abaixo No Down Hill, os pilotos correm em campo aberto. Quanto muito, h&aacute; uma delimita&ccedil;&atilde;o da traject&oacute;ria mas, de resto, o terreno n&atilde;o &eacute; objecto de prepara&ccedil;&atilde;o especial e, &ldquo;por paradoxal que pare&ccedil;a, est&aacute; bastante melhor antes de se come&ccedil;ar a descer. Com a passagem dos pilotos, 10 a 12 vezes num fim-de-semana, acaba extremamente degradado&rdquo;. Mas isso n&atilde;o interessa. O que conta &eacute; a dificuldade, a quota de inclina&ccedil;&atilde;o, os obst&aacute;culos...que, por vezes, implicam saltos de tr&ecirc;s metros de altura sobre ribeiros e estradas com quatro a cinco metros de largo. &ldquo;Para quem nos observa, &eacute; uma modalidade aliciante, muito semelhante &agrave;s passagens dos rallies&rdquo;. No Down Hill os atletas sucedem-se cada 30 segundos, a uma velocidade que pode ultrapassar os 90 Kms/hora. &ldquo;E caem muitas vezes, o que tamb&eacute;m &eacute; interessante para o p&uacute;blico&rdquo;. A prova &ldquo;&eacute; feita no limite&rdquo;. Cronometrada com c&eacute;lulas fotoel&eacute;ctricas (id&ecirc;nticas &agrave;s que s&atilde;o utilizadas nas provas de automobilismo) cada mil&eacute;simo de segundo conta. Taquicardia no gate Ao longo dos anos, David Costa foi alterando a sua maneira de abordar as provas. Houve um tempo em que era uma ansiedade que n&atilde;o se aguentava: &ldquo;ficamos presos no gate at&eacute; ao momento da sa&iacute;da. A&iacute;, &eacute; meio minuto para nos prepararmos e baixar os &oacute;culos. Depois da partida, &eacute; preciso dar o m&aacute;ximo...&rdquo;. Quando era mais novo na modalidade, &ldquo; cometia muitas vezes o erro de fazer uma sa&iacute;da com muita for&ccedil;a e pouca cabe&ccedil;a&rdquo;. Ora, &ldquo;quando cometemos um erro e ca&iacute;mos, perdemos a concentra&ccedil;&atilde;o e &eacute; certo e sabido que, logo a seguir, iremos cair mais vezes&rdquo;. Agora, as coisas j&aacute; s&atilde;o diferentes: &ldquo;a idade tamb&eacute;m conta. J&aacute; n&atilde;o sinto aquela ansiedade t&atilde;o grande da partida, analiso melhor as provas e protejo-me mais, at&eacute; porque fa&ccedil;o isto, sobretudo, para me divertir&rdquo;. Apesar disso, o esfor&ccedil;o &eacute; intenso. Exige muita for&ccedil;a de bra&ccedil;os e pernas, equil&iacute;brio, t&eacute;cnica e agilidade na condu&ccedil;&atilde;o. &ldquo;Ali&aacute;s, foi tamb&eacute;m o prazer da condu&ccedil;&atilde;o que me puxou para o Down Hill&rdquo;. Debaixo de um Citroen AX H&aacute; descidas que deixam marca: &ldquo;h&aacute; cerca de dez anos, em Sabrosa, numa pista entre eucaliptos, pedras soltas e buracos, atingimos 93 Km/hora&rdquo;. E quando as coisas correm mal, &agrave; posteriori at&eacute; podem ter gra&ccedil;a, mas na altura d&oacute;i! Se bem que n&atilde;o haja conhecimento de sequelas permanentes, &eacute; um desporto que implica perigo, embora &ldquo;menor que no ciclismo de estrada, onde o indiv&iacute;duo &eacute; projectado contra o alcatr&atilde;o&rdquo;. No Down Hill, &agrave; semelhan&ccedil;a do motocross, &ldquo;o piloto derrapa e bate contra v&aacute;rios obst&aacute;culos, mas vai perdendo energia na queda&rdquo;. Foi o que aconteceu a David Costa, h&aacute; uns anos, na Madeira: &ldquo;t&iacute;nhamos que saltar de um monte para outro. No meio, estava a estrada nacional. Alguns pilotos nem lhe tocavam. Agarravam a outra encosta directamente. Quando chegou a minha vez, recordo que havia um pol&iacute;cia e um bombeiro, junto de uma barraca de farturas, a controlar o tr&acirc;nsito. N&atilde;o me devem ter visto, sen&atilde;o n&atilde;o teriam mandado avan&ccedil;ar aquele Citroen AX...J&aacute; vinha no ar quando me apercebi do carro. Esbarrei contra o p&aacute;ra-choques, parti-lhe os far&oacute;is, passei por baixo...Uma senhora saiu de l&aacute; de dentro aos gritos...E eu, sem um arranh&atilde;o!...&rdquo;. Ele h&aacute; cada coisa! Outra vez, na Lous&atilde;, onde a terra &eacute; de xisto e de argila, em vez de descerem, os pilotos deslizavam...envolvidos pelo nevoeiro. Na Penha, em Guimar&atilde;es, os pilotos atravessam a estrada sem lhe tocarem, em saltos de dois a tr&ecirc;s metros de altura e, na Madeira, os terrenos s&atilde;o igualmente prop&iacute;cios a provas espectaculares. O problema &eacute; se o c&aacute;lculo da traject&oacute;ria corre mal. E h&aacute; ainda situa&ccedil;&otilde;es em que, ou se passa de bicicleta...ou n&atilde;o se passa! Como daquela vez, em Sesimbra &ndash; j&aacute; para l&aacute; v&atilde;o uns oito anos &ndash; em que um colega, com receio de estragar a bicicleta nova, decidiu passar a p&eacute;. S&oacute; que o terreno tinha uma inclina&ccedil;&atilde;o tal que caiu de imediato. Acabou com uma luxa&ccedil;&atilde;o no ombro. &ldquo;Foi uma das les&otilde;es mais graves da prova e com a bicicleta na m&atilde;o!&rdquo;. Associa&ccedil;&atilde;o j&aacute; tem dois campe&otilde;es nacionais Muitos dos fins-de-semana dos pilotos s&atilde;o passados em treinos ou na Ta&ccedil;a Nacional, que envolve sete a oito provas em v&aacute;rias zonas do pa&iacute;s. J&aacute; o Campeonato, resolve-se com uma &uacute;nica prova. David Costa e o irm&atilde;o fazem parte do grupo dos pioneiros. &ldquo;Interessei-me pelo Down Hill pelo facto de decorrer na montanha e n&atilde;o na estrada, onde h&aacute; hist&oacute;rias de acidentes grav&iacute;ssimos, com atropelamentos e mortes, al&eacute;m de poder despender as minhas energias em s&iacute;tios mais calmos&rdquo;. A Associa&ccedil;&atilde;o conta com alguns apoios, o que diminui o investimento dos atletas. &Eacute; o caso da C&acirc;mara Municipal da Trofa e de algumas empresas da zona. Sem contar com a colabora&ccedil;&atilde;o dos carolas da Associa&ccedil;&atilde;o e o arraial, em honra de S&atilde;o Pedro, o patrono de Paradela. &ldquo;Realizam-se algumas actividades l&uacute;dicas e montam-se umas barraquinhas de comes e bebes, cujo lucro reverte para o clube&rdquo;. Mesmo assim, as coisas n&atilde;o andam nada f&aacute;ceis. Contrariamente &agrave;quilo que aconteceu durante muitos anos, a Federa&ccedil;&atilde;o Portuguesa de Ciclismo passou a cobrar uma taxa de inscri&ccedil;&atilde;o de 15 euros por atleta. Tendo em conta que a Associa&ccedil;&atilde;o, em representa&ccedil;&atilde;o do concelho de Trofa, tem uma m&eacute;dia de 10 pilotos a correr nas nove provas da Ta&ccedil;a e do Campeonato, &eacute; preciso aviar muitas bifanas... Mas, contas feitas, o saldo n&atilde;o &eacute; nada mau: a Associa&ccedil;&atilde;o j&aacute; tem no seu palmar&eacute;s um terceiro lugar no campeonato nacional; uma campe&atilde; nacional de juniores e um campe&atilde;o nacional de masters, al&eacute;m de ter vencido, por v&aacute;rias vezes, o campeonato regional do Minho. Nos campeonatos, v&ecirc;em-se algumas mulheres. Entre 10 a 15, o que David Costa considera &ldquo;fant&aacute;stico&rdquo;. A Associa&ccedil;&atilde;o Recreativa de Paradela tamb&eacute;m costuma ter sempre um elemento feminino, geralmente da classe dos juniores. Habitualmente, depois dos 18 anos desistem. David Costa adianta uma hip&oacute;tese: n&atilde;o se devem achar nada bonitas, cheias de arranh&otilde;es e n&oacute;doas negras, al&eacute;m de que as provas implicam uma log&iacute;stica complicada aos fins-de-semana. &ldquo;As equipas pobres, como a nossa, saem na Sexta-feira &agrave; noite, em caravanas. Mas h&aacute; outras, j&aacute; com alguma estrutura profissional e apoio das marcas, que saem &agrave; ter&ccedil;a-feira&rdquo;. No caso da Associa&ccedil;&atilde;o Recreativa de Paradela, s&oacute; uma vez, &ldquo;que me lembre&rdquo;, sa&iacute;ram &agrave; Quinta-feira. Foi em 2005, no Campeonato Nacional. &ldquo;T&iacute;nhamos um master com possibilidade de vencer e decidimos sair mais cedo para preparar a prova&rdquo;. O percurso era um pouco mais longo &ndash; cerca de 6 mil metros. &ldquo;Fotograf&aacute;mos toda a pista e analis&aacute;mos cada uma das passagens mas foi a &uacute;nica vez que tivemos tanto tempo para nos prepararmos e trocar impress&otilde;es uns com os outros&rdquo;. Perderam por dois segundos e isso ainda &ldquo;custou mais&rdquo; porque, naquela ocasi&atilde;o, envolveu mais prepara&ccedil;&atilde;o e an&aacute;lise do terreno. Juniores querem arriscar e brilhar Regra geral, a equipa re&uacute;ne-se no S&aacute;bado &agrave; noite, depois do jantar, e discute as melhores estrat&eacute;gias para ultrapassar os obst&aacute;culos. &ldquo;Muitos dos nossos desportistas s&atilde;o estudantes e, por vezes, &eacute; dif&iacute;cil fazer compreender a um rapaz de 18 anos, cheio de for&ccedil;a, &aacute;vido de aplausos, que a &uacute;nica coisa que conta &eacute; o rel&oacute;gio, &agrave; partida e &agrave; chegada&rdquo;. Querem arriscar e brilhar. &ldquo;Compreendo-os perfeitamente porque j&aacute; passei por isso &ndash; embora n&atilde;o tivesse propriamente 18 anos&rdquo;, diz o m&eacute;dico. Mas, &ldquo;ao fazermos manobras mais arriscadas e mais espectaculares, perdemos rapidez. N&atilde;o vale a pena ficarmos &agrave; espera dos aplausos e dos gritos porque perdemos tempo e o que conta &eacute; a efic&aacute;cia&rdquo;. Neste desporto, &ldquo;h&aacute; duas ideias fundamentais, tal como na Medicina: a efic&aacute;cia e a rela&ccedil;&atilde;o custo/benef&iacute;cio. Quando existe um obst&aacute;culo que implica muito perigo, o nosso conselho &eacute; que o fa&ccedil;am sem arriscar porque, na Segunda-feira seguinte, eles t&ecirc;m que voltar para as aulas e n&oacute;s temos que ir trabalhar&rdquo;. Pais e filhos a correrem juntos Para al&eacute;m do desporto em si, a modalidade de Down Hill tem uma caracter&iacute;stica interessante: na mesma pista correm pilotos de v&aacute;rias gera&ccedil;&otilde;es. &ldquo;Ainda n&atilde;o encontrei av&oacute;s e netos mas h&aacute; pais que levam os filhos consigo desde pequenos e agora j&aacute; correm lado a lado&rdquo;. No caso de David Costa, ainda &eacute; cedo. O filho tem apenas sete anos e a idade m&iacute;nima para participar &eacute; 16. Mas acompanha-o &ldquo;desde que largou as fraldas&rdquo;. Ali&aacute;s, &eacute; muito normal que os pilotos levem a fam&iacute;lia. Talvez por isso, o ambiente &eacute; de grande camaradagem, mesmo entre equipas rivais. &ldquo;Trocamos impress&otilde;es e ajudamo-nos uns aos outros, num clima de competi&ccedil;&atilde;o bastante saud&aacute;vel&rdquo;. Todos se preparam para a prova. E todos sabem que vai ser dura. Por isso, &ldquo;no momento da sa&iacute;da, j&aacute; tenho decidido o que vou fazer. Inventar ou mudar de atitude a meio da pista d&aacute; quase sempre mau resultado&rdquo;. &Eacute; tal qual como na vida, diz o m&eacute;dico: &ldquo;fazer coisas para as quais n&atilde;o se est&aacute; devidamente preparado, normalmente n&atilde;o resulta. Sei que vou andar tr&ecirc;s ou quatro minutos no m&aacute;ximo da frequ&ecirc;ncia card&iacute;aca, de esfor&ccedil;o e de concentra&ccedil;&atilde;o. Gostaria de fazer tudo bem, mas sei que, provavelmente, isso n&atilde;o ir&aacute; acontecer. Da pr&oacute;xima vez, tento fazer melhor...&rdquo;.

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