Jornal Médico - “A Saúde Pública está demasiado burocratizada!”

S&atilde;o muito poucos os que podem gabar-se de terem desempenhado tantos cargos de relevo... S&atilde;o muito poucos os que podem gabar-se de terem desempenhado tantos cargos de relevo num sector t&atilde;o complexo e exigente como o da Sa&uacute;de. O ex-director-geral e ex-alto-comiss&aacute;rio da Sa&uacute;de, Jos&eacute; Pereira Miguel, &eacute; um desses casos raros... E esse m&eacute;rito - bem como o de j&aacute; ter "sobrevivido" a cinco ministros da Sa&uacute;de diferentes - j&aacute; ningu&eacute;m lho tira! Actualmente &agrave; frente do Instituto Nacional de Sa&uacute;de Dr. Ricardo Jorge, Pereira Miguel est&aacute; empenhado em fazer desta estrutura um centro de excel&ecirc;ncia no &acirc;mbito da investiga&ccedil;&atilde;o em Sa&uacute;de P&uacute;blica, cl&iacute;nica e em servi&ccedil;os de sa&uacute;de. &Agrave; conversa com o M&eacute;dico de Fam&iacute;lia, o respons&aacute;vel lamentou o actual panorama da vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica em Portugal e criticou o pend&atilde;o demasiadamente burocr&aacute;tico que caracteriza a pr&aacute;tica da Sa&uacute;de P&uacute;blica no nosso Pa&iacute;s, apontando solu&ccedil;&otilde;es concretas no sentido de minorar o impacto destas dificuldades num sector com muito "magros" recursos... Jornal M&eacute;dico de Fam&iacute;lia - Aquando da sua nomea&ccedil;&atilde;o para presidente do Instituto Nacional de Sa&uacute;de Dr. Ricardo Jorge (INSA), o ent&atilde;o ministro da Sa&uacute;de, Correia de Campos, justificou essa decis&atilde;o com "a necessidade de transformar este laborat&oacute;rio do Estado num grande instituto de investiga&ccedil;&atilde;o em Sa&uacute;de P&uacute;blica". Volvidos dois anos, sente que esse objectivo est&aacute; a ser cumprido? Que passos foram dados nesse sentido? Jos&eacute; Pereira Miguel - Nestes dois anos, desenvolvemos uma vis&atilde;o para o futuro do Instituto e procedemos a uma reorganiza&ccedil;&atilde;o de acordo com essa mesma vis&atilde;o, objectivada em tr&ecirc;s instrumentos muito concretos. O primeiro &eacute; a nova lei org&acirc;nica e os novos estatutos do Instituto. Na sequ&ecirc;ncia da reorganiza&ccedil;&atilde;o do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de (MS) - ainda no tempo do professor Correia de Campos - todas as institui&ccedil;&otilde;es do MS tiveram que fazer as suas leis org&acirc;nicas. Nesse sentido, em 2007, cri&aacute;mos a lei org&acirc;nica do INSA, em que esta direc&ccedil;&atilde;o trabalhou muito e que objectiva a nova vis&atilde;o para o Instituto. Em segundo lugar, outro instrumento que foi muito importante concretizar - e devo dizer que todos estes aspectos a que me refiro foram partilhados com as pessoas da casa, procurando obter consensos, e sujeitos a muitas horas de discuss&atilde;o, embora a Direc&ccedil;&atilde;o tivesse, obviamente, um papel de lideran&ccedil;a - foi o Plano de Desenvolvimento Estrat&eacute;gico (PDE). Neste momento, o INSA tem uma perspectiva daquilo que gostaria de fazer entre 2008 e 2012 e esse PDE marca as grandes prioridades para o Instituto. &Eacute; que apesar de a Lei Org&acirc;nica dar uma grande latitude de trabalho, dentro disso precisamos de saber o que &eacute; priorit&aacute;rio e de primeira linha. Finalmente, ach&aacute;mos que o INSA precisava de uma moderniza&ccedil;&atilde;o no que diz respeito aos seus processos de gest&atilde;o. Assim, introduzimos um novo modelo de gest&atilde;o, que ainda n&atilde;o est&aacute; completamente implementado na pr&aacute;tica, mas para o qual caminhamos a passos largos, com a ideia de que o Instituto possa ser cada vez mais sustent&aacute;vel, auto-suficiente e menos dependente do Or&ccedil;amento de Estado. Resumindo, a revis&atilde;o das bases legais do INSA, o PDE e o novo modelo de gest&atilde;o s&atilde;o para n&oacute;s os tr&ecirc;s pilares da nova vis&atilde;o do Instituto. Quais as prioridades contempladas no PDE do INSA? O Plano Estrat&eacute;gico - que foi sujeito a discuss&atilde;o p&uacute;blica - tem nove &aacute;reas priorit&aacute;rias, que se desdobram num conjunto de interven&ccedil;&otilde;es que podemos agrupar em quatro objectivos de resultados e quatro objectivos de estrutura e de processo. Os primeiros t&ecirc;m que ver com os grandes des&iacute;gnios finais do INSA, enquanto os outros se prendem com os prop&oacute;sitos de moderniza&ccedil;&atilde;o; de dotar o INSA de uma robustez institucional, administrativa e de gest&atilde;o, para ser capaz de cumprir os grandes des&iacute;gnios. A primeira grande prioridade &eacute; alinhar os objectivos do INSA com as prioridades da Sa&uacute;de, o que significa que uma das nossas grandes preocupa&ccedil;&otilde;es &eacute; que o INSA, como bra&ccedil;o armado do Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de (SNS) e do MS, responda &agrave;s prioridades das pol&iacute;ticas de Sa&uacute;de e cient&iacute;ficas, uma vez que o INSA tem dupla tutela. O segundo objectivo estrat&eacute;gico &eacute; refor&ccedil;ar as fun&ccedil;&otilde;es essenciais do INSA, que s&atilde;o as de investiga&ccedil;&atilde;o e desenvolvimento (I&D); presta&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os de sa&uacute;de diferenciados, em algumas &aacute;reas, como por exemplo, a Gen&eacute;tica (temos o c&eacute;lebre rastreio do pezinho, entre outras); laborat&oacute;rio de refer&ecirc;ncia da Sa&uacute;de; Observat&oacute;rio de Sa&uacute;de, onde temos uma responsabilidade social; forma&ccedil;&atilde;o e difus&atilde;o da cultura cient&iacute;fica. O terceiro objectivo &eacute; o de refor&ccedil;ar a fun&ccedil;&atilde;o de I&D e, por &uacute;ltimo, garantir a auto-sustentabilidade financeira. Os objectivos de estrutura e processo, por sua vez, t&ecirc;m que ver sobretudo com o modus operandi da casa; s&atilde;o de estrutura interna. Foquemo-nos na Investiga&ccedil;&atilde;o... Era intuito do ministro Correia de Campos incentivar a investiga&ccedil;&atilde;o nas &aacute;reas biom&eacute;dicas e dos servi&ccedil;os de sa&uacute;de, aumentando o n&uacute;mero de doutorados do INSA em quatro anos, dos ent&atilde;o trinta para cem... Em que ponto nos encontramos, no que toca a este objectivo? Temos, neste momento, cerca de 60 doutorados ou equivalentes. &Eacute; preciso perceber que uma coisa &eacute; o INSA enquanto empregador de doutorados - eu digo equivalente porque a carreira de investiga&ccedil;&atilde;o tem patamares que correspondem &agrave; carreira acad&eacute;mica. Logo, o doutoramento tem as suas correspond&ecirc;ncias na carreira de investiga&ccedil;&atilde;o - e outra &eacute; o INSA como institui&ccedil;&atilde;o de acolhimento de muitas pessoas que v&ecirc;m c&aacute; fazer investiga&ccedil;&atilde;o, no sentido de obterem o seu t&iacute;tulo de doutoramento dado pelas Universidades. Quanto ao desenvolvimento da investiga&ccedil;&atilde;o cient&iacute;fica, estamos a apostar em algumas linhas de trabalho... A primeira consiste no relan&ccedil;amento da agenda de investiga&ccedil;&atilde;o do MS - um dossier antigo, que ainda n&atilde;o se conseguiu concluir ao longo dos anos, mas que consideramos da maior import&acirc;ncia. N&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel fazer toda a investiga&ccedil;&atilde;o e por isso h&aacute; que definir prioridades. Para tal, temos que nos questionar sobre qual &eacute; a investiga&ccedil;&atilde;o em que vamos aplicar os nossos recursos, que eu devo acrescentar que s&atilde;o magros... Em 2009, vamos tentar relan&ccedil;ar este projecto, nomeadamente atrav&eacute;s da colabora&ccedil;&atilde;o de especialistas internacionais, que convidaremos para visitarem o nosso pa&iacute;s e o INSA e retirar da sua experi&ecirc;ncia algumas li&ccedil;&otilde;es para Portugal. &Eacute; o caso do professor Lawrence Green, que no passado dia 16 de Janeiro, esteve no Instituto, onde deu uma confer&ecirc;ncia intitulada If we want more evidence-based practice, we need more practice-based evidence, que teve como principal objectivo promover a discuss&atilde;o em torno das prioridades de investiga&ccedil;&atilde;o e das quest&otilde;es sobre a transla&ccedil;&atilde;o do conhecimento, um assunto particularmente importante para o INSA. Este ano, tamb&eacute;m pretendemos lan&ccedil;ar uma ideia inovadora: a cria&ccedil;&atilde;o de um F&oacute;rum Nacional de Investiga&ccedil;&atilde;o em Sa&uacute;de, que se pretende que seja um encontro entre todas as institui&ccedil;&otilde;es e investigadores em Sa&uacute;de. Pretendemos dar in&iacute;cio a um debate conjunto, cuja inten&ccedil;&atilde;o &eacute; replicar em anos vindouros. Queremos, ainda, desenvolver um Plano de Investiga&ccedil;&atilde;o Estrat&eacute;gica para o INSA, o que uma vez mais se prende com a forma de trabalhar da casa. Muitas vezes os investigadores t&ecirc;m as suas agendas pessoais, querem progredir na carreira e estudar aquilo que lhes interessa, pelo que cabe ao Instituto contrabalan&ccedil;ar isso com uma vis&atilde;o institucional. Temos que pensar o que &eacute; que o INSA, dada &agrave; sua rela&ccedil;&atilde;o com as pol&iacute;ticas de sa&uacute;de e cient&iacute;ficas e face &agrave;s necessidades do Pa&iacute;s, deve investigar. Por influ&ecirc;ncia do professor Correia de Campos, gostar&iacute;amos ainda de expandir no INSA a investiga&ccedil;&atilde;o em Sa&uacute;de P&uacute;blica, a investiga&ccedil;&atilde;o cl&iacute;nica e a investiga&ccedil;&atilde;o em servi&ccedil;os de sa&uacute;de. Importa salientar que, no caso das &uacute;ltimas duas, o MS tem vindo a colocar verbas &agrave; disposi&ccedil;&atilde;o do INSA no sentido de realizarmos algumas iniciativas conjuntas com a Funda&ccedil;&atilde;o de Ci&ecirc;ncia e Tecnologia (FCT). No ano passado, lan&ccedil;&aacute;mos um concurso no &acirc;mbito da investiga&ccedil;&atilde;o cl&iacute;nica, com a FCT, e a todo o momento esperamos que seja lan&ccedil;ado o concurso sobre investiga&ccedil;&atilde;o em servi&ccedil;os de sa&uacute;de (que se debruce sobre o seu funcionamento, a forma como est&atilde;o organizados, impacto e out comes). O INSA tem tamb&eacute;m um enfoque especial na transfer&ecirc;ncia de tecnologias e de know-how, bem como no fomento de sistemas de informa&ccedil;&atilde;o para a investiga&ccedil;&atilde;o e de redes para a I&D. No meio de tantas atribui&ccedil;&otilde;es, onde se insere a vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica? A vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica enquadra-se de duas formas distintas, no trabalho do INSA... Por um lado, faz parte da fun&ccedil;&atilde;o essencial deste Instituto, no &acirc;mbito da Observa&ccedil;&atilde;o de Sa&uacute;de. Observamos e monitorizamos o que se passa com algumas doen&ccedil;as, situa&ccedil;&otilde;es e alguns riscos para a Sa&uacute;de (SIDA, ondas de calor, gripe, entre outras). Por&eacute;m, o INSA n&atilde;o &eacute; "dono" da vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica. A entidade que coordena a vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica &eacute; a Direc&ccedil;&atilde;o-Geral de Sa&uacute;de (DGS) e o INSA apenas contribui. Pelo que, as mesmas bases de dados utilizadas na Observa&ccedil;&atilde;o em Sa&uacute;de podem servir para a realiza&ccedil;&atilde;o de trabalhos de investiga&ccedil;&atilde;o cient&iacute;fica. Como classifica o panorama da vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica em Portugal? Temos uma s&eacute;rie de limita&ccedil;&otilde;es na vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica que come&ccedil;am pela legisla&ccedil;&atilde;o, que &eacute; obsoleta. Uma das medidas que a DGS e o MS t&ecirc;m na forja &eacute; a cria&ccedil;&atilde;o de uma nova legisla&ccedil;&atilde;o neste &acirc;mbito. Para al&eacute;m disso, temos fragilidades porque, cada vez mais, a vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica tem que se articular com as decis&otilde;es tomadas a n&iacute;vel da Uni&atilde;o Europeia (UE), e neste dom&iacute;nio das rela&ccedil;&otilde;es internacionais ainda podemos melhorar muito. Internamente, existe a problem&aacute;tica de que a nossa vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica ainda assenta muito na notifica&ccedil;&atilde;o m&eacute;dica, quando em outras formas "mais evolu&iacute;das" de vigil&acirc;ncia epidemiol&oacute;gica, outras fontes s&atilde;o de ter em considera&ccedil;&atilde;o, nomeadamente a notifica&ccedil;&atilde;o laboratorial. Temos o caso de algumas doen&ccedil;as em que isso j&aacute; se faz, mas n&atilde;o em todas, pelo que tamb&eacute;m podemos melhorar muito neste aspecto. E depois h&aacute; a quest&atilde;o comportamental... Se num sistema baseado na notifica&ccedil;&atilde;o m&eacute;dica, os m&eacute;dicos n&atilde;o notificam, possivelmente, teremos que avan&ccedil;ar com novas abordagens ou mecanismos de responsabiliza&ccedil;&atilde;o. Considera que iniciativas como o Pr&eacute;mio de Investiga&ccedil;&atilde;o sobre Epidemiologia do Cancro, promovido pelo Alto-Comissariado da Sa&uacute;de e pela farmac&ecirc;utica Merck (ver caixa) - de cujo j&uacute;ri o professor faz parte - podem realmente fazer a diferen&ccedil;a num contexto de promo&ccedil;&atilde;o da investiga&ccedil;&atilde;o e de melhoria dos dados epidemiol&oacute;gicos em Portugal? Eu penso que sim. A epidemiologia &eacute; uma ferramenta fundamental, tanto no campo da Sa&uacute;de P&uacute;blica, quanto no campo da cl&iacute;nica, da administra&ccedil;&atilde;o dos servi&ccedil;os e da economia da sa&uacute;de. Actualmente, a epidemiologia &eacute; uma ci&ecirc;ncia sem a qual n&atilde;o podemos passar e o seu desenvolvimento em Portugal ainda est&aacute; aqu&eacute;m do desej&aacute;vel. N&atilde;o podemos, no entanto, esquecer o esfor&ccedil;o que as Faculdades t&ecirc;m realizado no sentido de desenvolver a epidemiologia, sobretudo as de Medicina. Tamb&eacute;m &eacute; sempre de lembrar o trabalho que a Escola Nacional de Sa&uacute;de P&uacute;blica (ENSP) e a DGS fizeram, no &acirc;mbito dos servi&ccedil;os, a este n&iacute;vel. Por&eacute;m, mesmo somando tudo o que j&aacute; existe, ainda permanecemos aqu&eacute;m das necessidades. Portanto, este Pr&eacute;mio vem sempre chamar a aten&ccedil;&atilde;o para um dom&iacute;nio que precisa de ser cultivado e desenvolvido. Neste caso, num &acirc;mbito t&atilde;o importante como o da Oncologia, onde a epidemiologia tem um campo de aplica&ccedil;&atilde;o imenso... Conhecemos ainda muito pouco do que se passa com as doen&ccedil;as oncol&oacute;gicas. A epidemiologia pode ajudar &agrave; caracteriza&ccedil;&atilde;o dos factores de risco e das causas, pode permitir a caracteriza&ccedil;&atilde;o da evolu&ccedil;&atilde;o da doen&ccedil;a, da preval&ecirc;ncia, da distribui&ccedil;&atilde;o e do modo de ocorr&ecirc;ncia. Na perspectiva dos servi&ccedil;os de sa&uacute;de, por outro lado, precisamos de muitas informa&ccedil;&otilde;es sobre a efectividade dos rastreios do cancro, sobre a efectividade do funcionamento dos tratamentos e dos servi&ccedil;os dirigidos ao cancro e a epidemiologia pode dar-nos essas respostas. E os m&eacute;dicos de Sa&uacute;de P&uacute;blica? Qual o seu papel neste contexto? Partilha a opini&atilde;o generalizada de que esta &eacute; uma carreira que est&aacute; descredibilizada no seio da Medicina e da Sa&uacute;de? Eu penso que o papel dos m&eacute;dicos de Sa&uacute;de P&uacute;blica &eacute; fundamental no sistema de sa&uacute;de e considero que esta forma&ccedil;&atilde;o e carreira profissionais precisar&atilde;o de ser muito melhoradas. Para isso, n&atilde;o &eacute; s&oacute; necess&aacute;rio que as Faculdades e Escolas do ensino p&oacute;s-graduado actuem convenientemente... &eacute; tamb&eacute;m imprescind&iacute;vel que existam lugares, na pr&aacute;tica profissional, devidamente robustecidos com as condi&ccedil;&otilde;es para uma pr&aacute;tica de Sa&uacute;de P&uacute;blica moderna. E o que &eacute; uma pr&aacute;tica de Sa&uacute;de P&uacute;blica moderna? Por exemplo, e voltando &agrave; quest&atilde;o da epidemiologia, uma pr&aacute;tica de Sa&uacute;de P&uacute;blica moderna &eacute; aquela onde existem condi&ccedil;&otilde;es para que estes profissionais possam conduzir estudos epidemiol&oacute;gicos adequados. Eu n&atilde;o sei se nas condi&ccedil;&otilde;es portuguesas todos os surtos de doen&ccedil;a s&atilde;o devidamente investigados, se a cadeia epidemiol&oacute;gica de determinadas doen&ccedil;as &eacute; perscrutada at&eacute; &agrave; exaust&atilde;o... O acesso a meios inform&aacute;ticos, &agrave; Internet, e &agrave;s mais diversas e modernas tecnologias - como a georreferencia&ccedil;&atilde;o - tudo isso faz parte de uma pr&aacute;tica de Sa&uacute;de P&uacute;blica moderna. Da qual, presumo, o nosso pa&iacute;s ainda anda muito longe... Penso que temos resvalado, em alguns aspectos, para uma vis&atilde;o muito burocr&aacute;tica da Sa&uacute;de P&uacute;blica (SP), que n&atilde;o &eacute;, de todo, a vis&atilde;o de que necessitamos. Precisamos, obviamente, de alguma administra&ccedil;&atilde;o, mas sobretudo necessitamos que um m&eacute;dico de SP se envolva em projectos de promo&ccedil;&atilde;o de sa&uacute;de, advocacia pela sa&uacute;de, aspectos epidemiol&oacute;gicos, e que haja uma melhor articula&ccedil;&atilde;o entre servi&ccedil;os de SP e os servi&ccedil;os de sa&uacute;de, entre a SP e os cuidados de sa&uacute;de prim&aacute;rios (CSP). E eu s&oacute; vejo que isso seja poss&iacute;vel com uma boa forma&ccedil;&atilde;o (que j&aacute; existe!) e um robustecimento dos departamentos de SP. E com o m&eacute;dico de SP a ser aliviado de algumas das burocracias incongruentes e que n&atilde;o t&ecirc;m nenhum efeito pr&aacute;tico. Acredita que a SP pode ganhar um novo f&ocirc;lego com a reforma em curso nos CSP? Acredito que sim! Os centros de sa&uacute;de (CS) e os agrupamentos de centros de sa&uacute;de (ACES) podem e devem ter condi&ccedil;&otilde;es para a pr&aacute;tica da Sa&uacute;de P&uacute;blica, mas os departamentos de SP nas Administra&ccedil;&otilde;es Regionais de Sa&uacute;de (ARS) tamb&eacute;m s&atilde;o fundamentais e devem reunir a massa cr&iacute;tica. Ao n&iacute;vel regional, tem que haver um apoio e meios de trabalho, que mais dificilmente poder&atilde;o existir em unidades pequenas. Quais os principais desafios que se colocar&atilde;o, a breve trecho, a Portugal e &agrave; Europa, em termos de Sa&uacute;de P&uacute;blica? Temos assistido a uma evolu&ccedil;&atilde;o do padr&atilde;o epidemiol&oacute;gico e, sem d&uacute;vida, que as nossas sociedades se confrontam cada vez mais com doen&ccedil;as cr&oacute;nico-degenerativas (cancro, doen&ccedil;as cardiovasculares, obesidade), que s&atilde;o grandes flagelos a ser combatidos pela ac&ccedil;&atilde;o do cl&iacute;nicos e tamb&eacute;m pelos m&eacute;dicos de SP, que devem estar preparados para fazer preven&ccedil;&atilde;o a n&iacute;vel populacional. Em rela&ccedil;&atilde;o &agrave;s doen&ccedil;as infecciosas, elas n&atilde;o sa&iacute;ram do panorama e esse &eacute; outro desafio para o qual temos que manter dispositivos de vigil&acirc;ncia se quisermos responder adequadamente e com prontid&atilde;o. Penso que um dos grandes desafios para a Sa&uacute;de P&uacute;blica portuguesa ser&aacute; a sua integra&ccedil;&atilde;o a n&iacute;vel internacional. Portugal tem vindo a assumir as suas responsabilidades ao n&iacute;vel da Organiza&ccedil;&atilde;o Mundial da Sa&uacute;de (OMS) e da UE, mas precisamos de estar mais activos a este n&iacute;vel. Dever&iacute;amos, por exemplo, dar mais oportunidades de est&aacute;gios aos nossos profissionais de sa&uacute;de no seio destas organiza&ccedil;&otilde;es, de forma a ganharmos alguma capacidade de influ&ecirc;ncia, entre outros benef&iacute;cios. Em termos da sa&uacute;de internacional e global - porque j&aacute; n&atilde;o &eacute; s&oacute; a quest&atilde;o da Europa que est&aacute; em jogo - este &eacute; um grande desafio para a nossa Sa&uacute;de P&uacute;blica. Finalmente, penso que a quest&atilde;o das desigualdades em Sa&uacute;de &eacute; crucial no plano da SP. Cada vez mais constatamos que as popula&ccedil;&otilde;es t&ecirc;m necessidades de sa&uacute;de diferentes, por terem constitui&ccedil;&otilde;es e naturezas diferentes. Por&eacute;m, os servi&ccedil;os de sa&uacute;de que organizamos - com as melhores das inten&ccedil;&otilde;es, &eacute; certo! - n&atilde;o esbatem essas desigualdades, antes as acentuam. Penso que o m&eacute;dico de SP pode ter um importante papel no combate a estas desigualdades em Sa&uacute;de. Esses desafios poder&atilde;o constituir-se como metas estrat&eacute;gicas do pr&oacute;ximo Plano Nacional de Sa&uacute;de (PNS)? Absolutamente! Ali&aacute;s, quando me questionou sobre os desafios em SP pensei automaticamente no PNS, uma vez que este &eacute; um instrumento que sistematiza muito claramente as prioridades de ac&ccedil;&atilde;o em Sa&uacute;de. Este &eacute; o momento de come&ccedil;ar a pensar no pr&oacute;ximo PNS. Os pontos que foquei, j&aacute; integram o actual PNS, mas &eacute; natural que continuem a constar neste documento, porque s&atilde;o absolutamente cr&iacute;ticos para o nosso trabalho di&aacute;rio e futuro. Do conjunto das muitas reformas em curso na Sa&uacute;de, qual &eacute;, no seu entender, a mais importante? Eu tenho uma enorme simpatia pela reforma dos Cuidados Continuados, porque considero que o estabelecimento de uma rede de Cuidados Continuados colmata a grande falta que o Pa&iacute;s tinha e tem, uma vez que esta rede ainda n&atilde;o est&aacute; totalmente implementada. &Agrave; medida que a nossa popula&ccedil;&atilde;o vai envelhecendo - apesar de estes cuidados n&atilde;o serem exclusivamente destinados a idosos - esta reforma revela-se fundamental. A Sa&uacute;de &eacute; um sector que, de tempos a tempos, precisa de reformas. Estamos sempre &agrave; procura de processos para melhor atingirmos os nossos objectivos e sermos mais efectivos e n&atilde;o nos podemos esquecer de que n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel continuar a proporcionar tudo a todos, se n&atilde;o se tirar mais partido dos recursos existentes. As preocupa&ccedil;&otilde;es com efici&ecirc;ncia s&atilde;o fundamentais: reformular os servi&ccedil;os de sa&uacute;de para que eles possam ser, n&atilde;o s&oacute; mais efectivos, mas tamb&eacute;m mais eficientes &eacute; extremamente importante. E da&iacute; as quest&otilde;es mais delicadas como o encerramento das Urg&ecirc;ncias e das Maternidades... Mas n&atilde;o podemos, de forma nenhuma, continuar a ser perdul&aacute;rios, nem sequer a insistir em servi&ccedil;os para os quais n&atilde;o h&aacute; evid&ecirc;ncia cient&iacute;fica de que funcionem. J&aacute; trabalhou com v&aacute;rios ministros da Sa&uacute;de: Manuela Arcanjo, Maria de Bel&eacute;m, Lu&iacute;s Filipe Pereira, Correia de Campos e Ana Jorge. Qual &eacute; o segredo para esta s&atilde; conviv&ecirc;ncia? N&atilde;o sei. Eles &eacute; que poder&atilde;o diz&ecirc;-lo...! Da minha parte, tenho procurado realizar as tarefas para que tenho sido convidado com lealdade e com dedica&ccedil;&atilde;o e, mod&eacute;stia &agrave; parte com alguma compet&ecirc;ncia. Provavelmente &eacute; isso que me tem permitido trabalhar com tantos ministros ao longo destes anos. Por outro lado, sou uma pessoa que n&atilde;o toma a atitude de ter certezas indestrut&iacute;veis. Passo o dia a questionar-me a mim e a tudo &agrave; minha volta e, embora possa ter uma personalidade "forte", estou disposto a abdicar do meu ponto de vista quando me apercebo que estou perante outras perspectivas, mais correctas. Devo frisar que todos os ministros com quem trabalhei me trataram sempre impecavelmente. E quando se &eacute; bem tratado &eacute; muito dif&iacute;cil n&atilde;o responder na mesma moeda. O professor j&aacute; ocupou os mais diversos cargos no sector da Sa&uacute;de. Que marca pessoal gostaria de deixar no INSA? Tudo aquilo de que fal&aacute;mos no in&iacute;cio da nossa conversa. Uma institui&ccedil;&atilde;o destas tem uma determinada fun&ccedil;&atilde;o no seio do sistema de sa&uacute;de e eu gostaria que o INSA cumprisse a sua miss&atilde;o e atribui&ccedil;&otilde;es e que isso estivesse acima de tudo. Todo o meu esfor&ccedil;o nesta Direc&ccedil;&atilde;o vai no sentido de o INSA ser aquilo para que foi criado, independentemente das agendas pessoais de todos quantos c&aacute; est&atilde;o. E foi precisamente isso que levou &agrave; preocupa&ccedil;&atilde;o de desenvolver uma vis&atilde;o estrat&eacute;gica para o Instituto. Vis&atilde;o essa que eu gostaria de deixar consolidada.

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