Jornal Médico - Missão 70/26: a iniciativa nacional para melhorar o controlo da hipertensão arterial em Portugal

No segundo dia do evento magno da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, teve lugar a conferência sobre a “Iniciativa nacional da Sociedade Portuguesa de Hipertensão para o Controlo da Pressão Arterial”. Ao presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH), Luís Bronze, coube a apresentação da proposta que considera “uma das iniciativas mais importantes da SPH e que terá um grande impacto na sociedade”. Saiba mais na edição 139 do Jornal Médico. Numa breve contextualização do racional subjacente ao desenvolvimento desta iniciativa, Luís Bronze começou por referir que “a morte cardiovascular é a causa mais importante de mortalidade na população portuguesa”, sublinhando-se a existência de “um elevado número de incapacidade associada ao acidente vascular cerebral (AVC) e ao enfarte agudo do miocárdio (EAM)”. “A hipertensão arterial (HTA) é uma pandemia: 42% da população portuguesa tem HTA, dos quais 57,5% não estão medicados e 44% dos doentes com HTA medicados não estão controlados”, alertou. A acrescer a isto sabe-se que “com a pandemia diminuíram os diagnósticos em 33% e houve uma redução de 17% de follow-up dos doentes com HTA, uma redução que se prende tanto pelos obstáculos no acesso aos cuidados de saúde, como também pelo absentismo às consultas”. Posto isto, o cardiologista frisou que “é natural que não fosse possível controlar a pressão arterial (PA)”. “O desígnio maior da SPH é o de promover o controlo e proteção dos doentes com HTA em Portugal, através do projeto Missão 70/26” Além de ser uma sociedade científica, “a SPH tem como missão e responsabilidade incentivar os médicos na luta pelo controlo da HTA promovendo simultaneamente a literacia dos doentes”, sublinhou Luís Bronze. Enfatizando a vontade de assumir a função de “Liga contra a HTA”, o preletor mencionou que a literacia em saúde é um objetivo. “Pretendemos fazer com que as pessoas compreendam o que é a HTA, como se faz o seu diagnóstico e seguimento, assim como promover a adesão terapêutica, que levará ao controlo sustentado da PA”, enumerou. Há também que “combater a inércia médica no sentido de, por um lado, aumentar a consciencialização do doente para promover o tal controlo e, por outro, de informar os médicos e outros profissionais de saúde”. Assim, “a iniciativa designada Missão 70/26 prevê que 70% dos doentes com HTA estejam controlados até 2026”, anunciou. Para cumprir este objetivo, a Missão 70/26 desenvolver-se-á em dois grandes níveis de intervenção. O primeiro, “através de atividades e iniciativas de sensibilização promovidas junto da comunidade, via redes sociais e meios de comunicação social”. O segundo, “junto de todos os profissionais de saúde, formá-los e envolvê-los ativamente no controlo da HTA”. Em paralelo, “é fundamental que durante este processo se estabeleçam parcerias e que haja articulação entre diversos sectores assim como apoio político, de modo a tornar possível a implementação de intervenções de fundo para aquilo que é preciso”, frisou o cardiologista. Salientou-se ainda que a Missão 70/26 conta com o apoio da Servier ao seu desenvolvimento, o que possibilitou a criação de um logotipo e a construção de uma página web (https://www.missao7026.pt). “Esta página estará disponível a todos aqueles que queiram participar, bastando fazer inscrição para aceder a toda a informação nela contida”. Também com o apoio da Servier, a SPH criou uma bolsa que visa “premiar um projeto no âmbito desta estratégia” e incentiva todos os profissionais de saúde à apresentação de “projetos que proponham a implementação de atividades a desenvolver na população com objetivo de melhorar o controlo dos doentes com HTA”. “Para atingir a meta 70/26 esta iniciativa trabalhará sobre os números existentes ao nível dos Cuidados de Saúde Primários” Sobre este aspeto, Pedro Damião Rebelo interveio na conferência para retratar os dados passíveis de analisar nesta iniciativa e que servirão de base ao trabalho a desenvolver. Com o objetivo de avaliar a proporção de doentes com HTA controlada – PA <140/90 mmHg – à data de 31/12/2022, o especialista em Medicina Geral e Familiar realizou uma análise exploratória, onde destacou várias métricas a considerar na avaliação do controlo da HTA em Portugal. Analisando a evolução da mortalidade por causa cardiovascular vs. outras causas de morte em Portugal, salientou-se que “a mortalidade por doenças do aparelho circulatório acompanha de forma ligeira o aumento da mortalidade geral observada após a crise financeira de 2008”. Contudo, “a mortalidade por AVC e doença cardíaca isquémica está, aparentemente, a diminuir, embora não diminua o número de pessoas com estes eventos”, um facto que o especialista considera “surpreendente”. Outra questão pertinente diz respeito à distribuição de doentes com HTA por Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) em Portugal Continental e como esta se correlaciona com a incidência de AVC, de acidente isquémico transitório (AIT) e de EAM. Segundo o especialista, a análise à data de dezembro de 2022 revelou que “o indicador de proporção de doentes com HTA (MORB.205.01 FL), assim como os indicadores de incidência de AIT (MORB.224.01 FL), de doença cardíaca isquémica (MORB.214.01 FL) e de EAM (MORB.213.01 FL) apresentam uma grande amplitude de variabilidade geográfica, havendo uma correlação entre a proporção de doentes com HTA e a incidência destes eventos”. Referindo-se à percentagem de doentes com HTA controlada segundo a literatura, Pedro Damião Rebelo frisou que “esta é uma comparação difícil de estabelecer porque os trabalhos não utilizam as mesmas técnicas e não são padronizados para a população universal definida pela OMS”. Não obstante, os estudos desenvolvidos a nível nacional mostraram que “11,2% (Espiga e Macedo, 2005), 42,5% (PHYSA), 50% (Ana rodrigues, 2017) e 56,7% (Pedro Marques da Silva, 2019) dos doentes com HTA atingiram o controlo da PA”, descreveu. Retomando a questão inicial, o especialista afirmou que “de acordo com os indicadores do BI-CSP (2015.316.01 FL) são 34,3% os doentes que atingiram controlo da PA, mostrando a distribuição geográfica uma enorme amplitude de variabilidade, que chega a atingir os 50% em alguns ACeS”. “Nesta proposta, sugere-se a análise do indicador de proporção de pessoas com HTA com PA a 6 meses, por extratos” Como explicou o orador, “esta proporção varia entre 40% e 90% e, embora não haja correlação ao cruzá-la com a ocorrência de eventos, analisando a dispersão percebemos que temos de usar extratos”. Assim, “propõe-se dividir o que se observa sobre aqueles que foram observados. Desta forma, diminuímos significativamente a amplitude e provavelmente a proporção de doentes controlados torna-se concordante com a literatura”. Aplicando esta nova fórmula, verifica-se que “em 65% dos doentes em que ocorreu o registo real foi diagnosticado HTA, 52,8% dos quais têm PA controlada [Est(PA<140/90I[18;65])=52,8%]”, frisou o preletor acrescentando que “esta correção dá-nos já um ponto de partida”. A aplicação desta fórmula e a divisão pelo número de utentes num determinado ACeS que tem mais de uma unidade em 2022 com pelo menos 70 % de doentes com HTA controlada, permitiu mostrar que “houve um aumento do número de doentes que atingiu o controlo terapêutico”. Mais ainda, “ao confrontar com os indicadores da unidade observamos que a proporção de utentes que tiveram consulta durante um ano acompanha estes resultados”, afirmou acrescentando que “isto significa que se houver empenho na monitorização do total dos seus ficheiros relativamente à presença ou não de HTA, vamos recolher dados e conseguir ter métricas coerentes e menos enviesadas com os trabalhos de investigação, que devem continuar a ser as referências a usar para tomar decisões estratégicas”. Pedro Damião Rebelo rematou afirmando que “esta é a base estratégica do que se propõe fazer daqui em diante”. A encerrar a palestra, Luís bronze reiterou que “vamos tentar ser mais proativos enquanto sociedade e enquanto liga. Estamos a refletir sobre o que se deve e o que se pode fazer no curto, médio e longo prazo. Todas as propostas são bem-vindas para que, em conjunto, possamos melhorar o controlo da HTA em Portugal”, concluiu.

Alerta

Terceiro espaço

Mais lidas