Jornal Médico - Médicos trocam hospitais privados por unidades do SNS

Pesem as denúncias recorrentes de que nos últimos anos foram muitos os médicos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde que transitaram para as unidades privadas, o que aconteceu foi precisamente o contrário. É pelo menos esta a informação disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística, que assinalou o Dia Mundial da Saúde com a divulgação de um destaque com informação pormenorizada sobre a evolução do sector da Saúde entre 2002 e 2013. No período considerado, os hospitais privados perderam cerca de mil clínicos, contando hoje com 2.349 destes profissionais. Já os hospitais públicos viram os seus quadros reforçados com mais 1.822 profissionais, contando hoje com 19.531. No âmbito do Dia Mundial da Saúde, que se assinalou no passado dia 7, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou um conjunto extenso de dados que dão conta da evolução do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ao longo de uma década, comparando recursos disponíveis, serviços disponibilizados e produtividade. No mesmo destaque, o INE compara o universo público de prestação de cuidados com o privado, num exercício meramente contabilístico, insensível à tipologia das estruturas, complexidade dos cuidados prestados e evolução do modelo de prestação, entre outros parâmetros. A análise do INE principia com a evolução dos cuidados de saúde secundários, dando conta de que no período considerado abriram 13 novas unidades, todas do sector privado, passando o parque hospitalar nacional de 213 unidades em 2002 para 226, em 2013 (107 privadas e 119 públicas). Os hospitais oficiais repartiam-se entre 113 hospitais de acesso universal e seis hospitais militares ou prisionais, precisa o INE. No universo dos hospitais públicos, incluem-se as parcerias público/privados (PPP), confirmou o nosso jornal junto do INE. Número de médicos aumenta no SNS e diminui no privado Dos dados agora divulgados sobressaem os relativos à evolução dos recursos humanos, particularmente médicos e enfermeiros, que condicionam todos os demais indicadores. Ora, de acordo com os dados do INE, entre 2002 e 2013 o número de médicos por mil habitantes aumentou de 3,2 para 4,3. Assim como o número global de médicos. De facto, em 2013 estavam inscritos na Ordem dos Médicos (OM) 45.289… Mais 11 mil do que em 2002. Do total de médicos inscritos na Ordem, 28.488 são especialistas em pelo menos uma especialidade (num total de 29.943 reconhecimentos de especialidades, 1.424 subespecialidades e 1.970 competências). Já no que que se refere ao número de enfermeiros, o INE aponta para um acréscimo de cerca de 24 mil profissionais entre 2002 e 2013 (em 2002 eram 41.799). Do total de enfermeiros inscritos na respectiva Ordem, (65.809), 46 mil trabalhavam em 2013 no SNS – 37 mil nos hospitais e nove mil nos cuidados de saúde primários (CSP). De notar que, de acordo com o último balanço social do SNS realizado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), muito embora o saldo líquido de médicos e enfermeiros no período considerado seja positivo, o número global de trabalhadores do SNS tem vindo a diminuir, tendo-se registado entre 2007 e 2013 uma redução de 522.925 para 419.336 profissionais (menos cerca de 20%). Ainda segundo a ACSS, em 2013 cerca de 22% (25.879) dos trabalhadores do SNS prestavam serviço nos CSP e 78% (93.121) nos cuidados hospitalares. Pesem as críticas recorrentes à alegada escassez de recursos humanos, a verdade é que de 2002 a 2013 o número de médicos e enfermeiros afectos aos quadros dos hospitais públicos aumentou. Pelo contrário, no que respeita aos médicos, as instituições privadas têm vindo a perder clínicos. De facto, mostram os dados disponibilizados pelo INE, em 2002 trabalhavam nos hospitais privados 3.321 médicos e nos públicos, 17.709. Em 2013, esse número era de 2.349 e 19.531, respectivamente. O mesmo aconteceu nos CSP. Em 2002 estavam afectos aos quadros dos centros de saúde 7.226 médicos e em Dezembro de 2012, mesmo com a sangria das reformas antecipadas e de uma alegada vaga de emigração médica, 7.423. De sublinhar, ainda, que ao nível da Administração Pública, designadamente a Administração Central do Estado, a carreira médica foi a que registou maior crescimento absoluto. Menos 4,8 milhões de consultas em SAP e SUB Na análise à produção entre público e privado, o destaque do INE salienta o aumento do número de atendimentos em serviço de urgência das unidades privadas, que quase duplicou entre 2002 e 2013. De facto, informa o INE, em 2002 os hospitais privados efectuaram cerca de 460 mil atendimentos nos seus serviços de urgência (6,5% do total). Onze anos mais tarde, esse número aproximava-se dos 900 mil, representando 12,4% do total de atendimentos nos serviços de urgência dos hospitais portugueses, que em 2013 foi de 7,2 milhões. Refira-se que a maioria destes atendimentos foram motivados por doença (81,9%), enquanto os acidentes estiveram na origem de 11,3% dos atendimentos e 6,8% deveram-se a outras causas (nomeadamente lesões por agressão e lesões auto-provocadas). Contas feitas, verifica-se que nos hospitais oficiais, o número de atendimentos em serviços de urgência evidenciava uma tendência decrescente desde 2007, que entretanto se começou a inverter, ainda que ligeiramente com aumentos de 1% em 2013 e 2014, de acordo com dados mais recentes da ACSS. Não sendo possível com os dados disponíveis estabelecer uma relação entre o número de atendimentos em serviços de urgência de hospitais públicos e privados e as alterações que se registaram no terreno em termos de organização do atendimento, a verdade é que não é possível omitir que em 2002, cerca de 70% dos centros de saúde (CS) dispunha de serviços de urgência básica (SUB) ou serviços de atendimento permanente (SAP) enquanto em 2012 essa percentagem era de apenas 24%. Ou seja, menos cerca de 180 serviços. Uma alteração que teve um impacto de monta no número de consultas. Em 2002, os CS efectuaram cerca de 6,4 milhões de atendimentos nos SUB ou SAP… Em 2012 apenas 1,6 milhões. É evidente que nesta contabilidade não há como distinguir, com os dados disponíveis, o que foram urgências… Ou situações de doença aguda sem necessidade de observação médica imediata. Uma indefinição que se coloca quer relativamente ao recurso aos serviços de urgências de hospitais públicos e privados, quer aos atendimentos em SUB e SAP. Uma coisa é certa: não se pode afirmar ter ocorrido um efeito de transferência do sector público para o privado em qualquer dos níveis de cuidados. Recorde-se: de 2002 para 2012, os hospitais privados registaram apenas um crescimento de “apenas” cerca de 440 mil atendimentos nos seus serviços de urgência… Ora, no mesmo período, só nos SAP e SUB, a diminuição foi de 4,8 milhões de atendimentos. Público em ambulatório… Privados no internamento Outra das áreas em que não obstante o INE avançar comparações entre público e privado, a disparidade entre as dimensões das realidades avaliadas não o aconselharia é a do internamento. De acordo com os dados agora divulgados, em 2013 registaram-se cerca de 1,16 milhões de internamentos nos hospitais portugueses, 935 mil dos quais em hospitais públicos (80,4%) a que corresponderam cerca de 10,2 milhões de dias de internamento, 2,7 milhões dos quais em hospitais privados (26,8%). De salientar ainda que em 2012 registaram-se cerca de quatro mil internamentos nos centros de saúde, menos 82% do que em 2002. Nos hospitais oficiais, cerca de 95% dos internamentos de 2013 foram em enfermarias, principalmente nas especialidades de Medicina Interna, Cirurgia Geral e Ginecologia-Obstetrícia, tendo-se registado uma duração média de internamento de 8,0 dias. Já no caso dos hospitais privados, a maior parte dos internamentos foi feito em quartos semiprivados ou privados (61%) e, em média, os doentes ficaram internados, durante 12,0 dias. Um dado relevante se se tiver em conta que no período considerado foram realizadas 913 mil grandes e médias cirurgias (75% das quais em hospitais oficiais) e 201,3 mil pequenas cirurgias (73% em unidades do SNS). De referir, também, que a cirurgia em regime de ambulatório registou nos últimos anos, um desenvolvimento extraordinário, apresentando hoje valores superiores a 55% de toda a actividade cirúrgica nacional. Mais: o programa orçamental da Saúde prevê que das 564 mil cirurgias programadas para 2015, 234 mil sejam feitas em regime de internamento e as restantes 330 mil em ambulatório. Menos camas no “público” contestadas pelo ministro Dos dados publicados pelo INE, o que levantou maior celeuma foi o da evolução do número de camas disponíveis em instituições do SNS. De acordo com o INE, em 2002, existiam 28.733 camas de internamento nos hospitais públicos, número que baixou para 25.029 em 2013, ao passo que as camas nos hospitais privados aumentaram no mesmo período de 8.429 para 10.474. Ou seja, em 2013, os hospitais oficiais tinham aproximadamente menos 3.700 camas de internamento do que em 2002 e os privados mais duas mil camas. Desta evolução resultou uma redução global de 1.659 camas. Confrontado com os dados, Paulo Macedo reagiu de forma dura, afirmando que “não faz qualquer sentido, é mesmo uma tolice, comparar certo tipo de urgências que são feitas nos hospitais polivalentes com o atendimento permanente que existe em alguns hospitais privados. Estamos a comparar coisas que não são comparáveis”. Falando aos jornalistas à margem das comemorações do Dia Mundial da Saúde, o Ministro afirmou não ser possível “comparar a evolução de camas de agudos sem comparar a evolução das camas de cuidados continuados e também sem saber se a redução das camas de agudos estão nas áreas dos serviços militares, prisionais ou na parte do público”. Sublinhando que os hospitais privados “têm claramente o seu papel em Portugal” Paulo Macedo recordou que mais de 80% dos internamentos das urgências são feitas no sector público e não no privado. De acordo com o INE, em 2013 quase 90% das camas de internamento dos hospitais oficiais eram enfermarias, enquanto no caso dos hospitais privados, a percentagem de camas de internamento em enfermarias, apesar de maioritária, não atingia 60%. Nos hospitais privados, os quartos semiprivados e privados representavam cerca de um terço das camas de internamento (3.512), 254 nos hospitais oficiais. Consultas externas em alta nos hospitais públicos Outro indicador de produtividade cuja evolução ao longo dos anos foi avaliada pelo INE foi o do número de consultas realizadas. De acordo com os dados apurados, em 2013 foram realizadas cerca de 17,6 milhões de consultas médicas no âmbito da consulta externa dos hospitais, em que perto de 71% foram asseguradas nos hospitais oficiais. O número de consultas médicas no âmbito da consulta externa dos hospitais aumentou continuamente entre 2002 e 2013, passando de 9,8 milhões para 17,6 milhões de consultas. Esta tendência é comum aos hospitais oficiais e privados, embora mais evidenciada no caso dos privados. Em 2002, estes hospitais asseguraram 16,5% do total de consultas médicas realizadas no âmbito da consulta externa dos hospitais portugueses (cerca de 1,6 milhões de consultas), enquanto em 2013 foram responsáveis por 29% (cerca de 5,1 milhões de consultas). As especialidades com maior número de consultas médicas no âmbito da consulta externa dos hospitais oficiais foram, em 2013 e por ordem decrescente, a Oftalmologia, a Ginecologia-Obstetrícia, a Cirurgia Geral e a Ortopedia. No caso dos hospitais privados, foram a Ortopedia, a Oftalmologia e a Ginecologia-Obstetrícia. Nos hospitais portugueses, em 2013, foram realizadas 913 mil grandes e médias cirurgias e cerca de 201 mil pequenas cirurgias. Cerca de 75% das grandes e médias cirurgias foram realizadas em hospitais oficiais, das quais 84,1% foram programadas, ou seja, sujeitas a marcação prévia. No caso dos hospitais privados, as intervenções cirúrgicas programadas tiveram um peso maior, representando 97,4% do total de grandes e médias cirurgias realizadas em 2013. Hemodiálise: dos 540 equipamentos existentes 434 são públicos O equipamento de diagnóstico e terapêutica com maior número de unidades nos hospitais portugueses foi o hemodialisador, com tendência crescente nos últimos anos. No total, existiam 540 equipamentos deste tipo e 434 pertenciam a hospitais oficiais (80,4%), informam os dados do INE. Eram também os hospitais oficiais que dispunham de maior número de scanners para tomografia axial computorizada (75,9%, ou seja, 161 em 212), de câmaras gama de medicina nuclear (85,7%, ou seja, 24 em 28) e de equipamentos de radioterapia (88,4%, ou seja, 38 em 43). No conjunto dos equipamentos de diagnóstico e terapêutica, verificou-se que 74,3% dos hospitais tinham equipamentos destinados à realização de exames com raios X, 66,8% estavam equipados para a realização de ecografias e 60,2% tinham equipamentos para endoscopias. Meios de diagnóstico: serviços mais do que triplicaram em 11 anos Em 2013, foram realizados perto de 128 milhões de actos complementares de diagnóstico nos hospitais portugueses, 91% dos quais em hospitais oficiais. A Patologia Clínica foi responsável por 80,3% dos actos efectuados. Já nos hospitais privados, esta especialidade, embora maioritária, representou apenas 66,1% destes actos complementares. De facto é nas especialidades de Endoscopia, Imagiologia e Anatomia Patológica que os hospitais privados têm uma percentagem mais expressiva no total de actos complementares realizados nos hospitais portugueses, respectivamente 41,6%, 25,2% e 18,4%. *Dados relativos a 2012. Pictogramas: Maurizio Pedrazzoli, Creative Stall, Alexey Ivanov, Hunotika, Look and Feel

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