
O bastonário da Ordem dos Médicos considera lamentável que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) tenha mandado arquivar os inquéritos às mortes de doentes que, no último inverno, foram sujeitos a horas de espera nos serviços de urgência hospitalares, muito para além do tempo máximo definido para a sua situação clínica após a aplicação do protocolo de triagem de Manchester.
Para José Manuel Silva, a IGAS deveria tenha instituído processos disciplinares aos conselhos de administração dos hospitais e aos diretores clínicos das instituições em causa, para avaliar responsabilidades.
“A IGAS deveria ter avaliado as suas responsabilidades, que são objetivas nestas situações, porque os conselhos de administração dos hospitais e as direções clínicas não prepararam adequadamente os seus serviços de urgência para uma situação que em todos os invernos é previsível: o aumento da procura dos serviços de urgência e da necessidade de internamento” justificou.
Segundo o bastonário, o arquivamento dos inquéritos “era previsível, pois os hospitais não estavam preparados adequadamente devido aos cortes excessivos”, afirmando mesmo que a Ordem já esperava que não houvesse responsabilização dos profissionais diretos. “Coitados. Estavam a trabalhar para além dos seus limites e em circunstâncias difíceis. Agora, deveriam ter sido instituídos processos disciplinares aos conselhos de administração e às direções clínicas”, afirmou.
Para evitar que a situação se repita, José Manuel Silva defende que o Ministério da Saúde (MS) deveria apresentar já um plano de contingência para o próximo inverno.
“O MS deveria apresentar já um plano de contingência para o próximo inverno. Um plano para o aumento do número de camas hospitalares, de contratação de profissionais para os serviços de urgência e de flexibilização de horários nos cuidados de saúde primários, que no passado inverno foi feito tarde por causa dos cortes excessivos impostos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, adiantou.
Refira-se que o arquivamento dos processos é fundamentado com a não existência de “matéria para processos disciplinares”, tendo a IGAS atribuído os óbitos a fatos circunstanciais, relacionados com falhas na organização e de gestão dos tempos. Segundo a IGAS, houve casos em que os doentes não terão sido reavaliados depois de ultrapassado o tempo de espera considerado normal para a cor da pulseira que lhes foi atribuída. No relatório, a IGAS conclui não terem sido apurados factos suscetíveis de integrar infrações de natureza disciplinar, mas apenas factos circunstanciais relacionados com a gestão dos tempos das triagens e do atendimento de doentes.” Segundo a IGAS, estão em causa questões “como a alteração de procedimentos escalas de profissionais de saúde ou maior atenção ao doente, que podem ser resolvidas pela via administrativa”.
Nas conclusões do inquérito, a IGAS defende a necessidade de ajustamentos, de revisão e até de alteração dos procedimentos administrativos nas urgências, como, por exemplo, tornar obrigatória a reavaliação dos doentes quando é ultrapassado o tempo de espera normal.
Recorde-se que as mortes alvo de inquérito por parte da IGAS ocorreram entre o final de dezembro de 2014 e as três primeiras semanas de janeiro nos hospitais de S. José (Lisboa), Santa Maria da Feira, Setúbal, Peniche, Santarém, Aveiro e Garcia de Horta (Almada) numa altura em que [em plena epidemia de gripe e vaga de frio] muitas urgências viviam uma situação caótica devido ao pico de procura.
Tribunal de Contas responsabiliza administradores
Em sentido oposto ao da decisão da IGAS, uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) ao serviço de urgência do Hospital Amadora-Sintra, que no final de 2014 registou tempos de espera superiores a 20 horas, atribuiu os atrasos no atendimento à incapacidade dos gestores em planear adequadamente as escalas de médicos. Gestores que, segundo o TdC, “apesar do desrespeito pelo cumprimento das normas” não diligenciaram no sentido “da responsabilização da direção do serviço de urgência geral, instaurando processos de inquérito e, eventualmente, processos disciplinares”.
Uma crítica extensiva ao Ministério da Saúde, que, “apesar de ter acompanhado a ocorrência, não apurou responsabilidades, designadamente ao nível do conselho de administração do hospital”.
No relatório da auditoria, tornado público em agosto último, pode ler-se que “o mês de dezembro de 2014 registou os maiores tempos médios diários de espera que, no dia 24, ultrapassaram as sete horas, o que compara com os 49 minutos verificados no mesmo dia do ano anterior, tendo atingido um máximo de 28 horas”.
De acordo com a instituição presidida por Guilherme de Oliveira Martins, “verificou-se que o número de horas médicas realizadas em dezembro de 2014 foi inferior em 19% às realizadas no período homólogo de 2012, e que, entre os dias 20 e 31 de dezembro, o número de horas médicas efetivamente realizadas foi inferior em 54% ao considerado adequado”.
Uma redução do número de médicos para a qual contribuiu, segundo o tribunal, “a autorização de férias e tolerâncias de ponto, pela direção do serviço de urgência geral, sem que ficasse assegurada a constituição de escalas de dimensão adequada, situação que infringe as normas de funcionamento previstas nos regulamentos do hospital e do serviço, além de ser contrária às boas práticas de gestão, por descurar, de modo irresponsável, o interesse dos utentes, ao não garantir a disponibilidade do serviço de urgência geral face à procura previsível para o final do ano”.
A auditoria do TdC contabilizou “um total de 184 dias de ausência médica no serviço de urgência geral, em dezembro de 2014, valor superior ao dos anos de 2013 e de 2012 (112 e 159, respetivamente), destacando-se, o ano passado, as ausências por férias (47%) por tolerâncias de ponto (13%) e por motivo de doença (36%)”.
“Entre os dias 22 e 31 de dezembro de 2014, existiram períodos de ausência de 14 dos médicos afetos ao serviço de urgência geral, na sua maioria por tolerância de ponto, o que não é compreensível dado o défice de médicos existente e as previsíveis maiores dificuldades em assegurar a disponibilidade, neste período, de prestadores de serviços, sem vínculo ao hospital”, conclui o TdC.
Por favor faça login ou registe-se para aceder a este conteúdo
Qual é a relação entre medicina e arte? Serão universos totalmente distintos? Poderá uma obra de arte ter um efeito “terapêutico”?