Jornal Médico - António Alvim: a consulta a 5 dias

&Eacute; poss&iacute;vel um utente conseguir marcar uma consulta para o seu M&eacute;dico de Fam&iacute;lia num prazo at&eacute; 5 dias &uacute;teis? &Eacute;! &Eacute; poss&iacute;vel um utente conseguir marcar uma consulta para o seu M&eacute;dico de Fam&iacute;lia num prazo at&eacute; 5 dias &uacute;teis? &Eacute;! O exemplo abaixo demonstra-o. No dia 10 de Novembro na minha agenda para o dia 17, quinta-feira (&uacute;nico dia da semana em que fa&ccedil;o apenas um per&iacute;odo de consulta) apenas estava um doente marcado. E as dos dias seguintes, est&atilde;o absolutamente vazias. E a minha lista tem 1903 utentes, &eacute; idosa com 530 utentes com mais de 65 anos. Tenho 13 unidades contratualizadas (UC) de aumento de lista (quando o m&aacute;ximo que pagam &eacute; 9). E &eacute; uma lista utilizadora com uma taxa de utiliza&ccedil;&atilde;o de 63% e uma taxa de consultas pelo pr&oacute;prio m&eacute;dico superior a 90% (atendo praticamente todas as urg&ecirc;ncias/situa&ccedil;&otilde;es agudas dos meus utentes - os 10% de consultas que faltam correspondem aos per&iacute;odos de aus&ecirc;ncia e a citologias feitas aos meus doentes por outros colegas das USF) e sou de longe o m&eacute;dico que mais consultas fez a utentes de outros colegas, sendo o saldo largamente positivo a meu favor. Trabalho dia e noite? N&atilde;o. Tenho de hor&aacute;rio assistencial expresso de 35 horas. Habitualmente fa&ccedil;o at&eacute; mais 4 horas (misto de assistenciais e n&atilde;o assistenciais) por semana. Fa&ccedil;o ainda, em m&eacute;dia, dois domic&iacute;lios por semana e tenho duas reuni&otilde;es USF, de 1 hora cada, por semana. O total andar&aacute; &agrave; volta das 42 horas por semana. N&atilde;o fa&ccedil;o citologias. O trabalho n&atilde;o assistencial vai sendo feito ao longo do dia. Como podem constatar, a minha consulta est&aacute; organizada de forma a deixar dois "buracos" entre cada 3 consultas pr&eacute; marcadas e outros dois no final de cada per&iacute;odo. Esses buracos destinam-se a encaixar, ao logo do dia, as situa&ccedil;&otilde;es agudas, &agrave; medida que estas v&atilde;o surgindo e a recuperar atrasos. Quando n&atilde;o aparecem muito raramente ficam todos preenchidos, aproveitando-os para as actividades n&atilde;o assistenciais, incluindo pausa para o caf&eacute;... Cumpro os indicadores? Sim, tenho regularmente cumprido todos os indicadores excepto os das citologias ( a ver se &eacute; desta!). As linhas acima n&atilde;o s&atilde;o para me vangloriar mas para demonstrar que com organiza&ccedil;&atilde;o e dentro de um hor&aacute;rio de 42 horas, &eacute; poss&iacute;vel dar resposta cabal aos utentes e garantir-lhes acessibilidade em 5 dias &uacute;teis. &Eacute; importante oferecer uma acessibilidade em cinco dias? Sim, &eacute; muito importante. Por duas ordens de raz&otilde;es, a primeira das quais, puramente matem&aacute;tica: se a oferta semanal for inferior &agrave; procura, quer dizer que v&atilde;o sobrar doentes e que estes se v&atilde;o acumular e o tempo de espera vai progressivamente aumentando at&eacute; se estabilizar por equil&iacute;brio entre a procura e as desist&ecirc;ncias (quer por entretanto se ter resolvido a situa&ccedil;&atilde;o que motivou o pedido de consulta, ou por o utente ter ir procurado solu&ccedil;&atilde;o noutro lado. Vergonha nossa). Outra raz&atilde;o, mais de fundo, tem a ver com a ess&ecirc;ncia do conceito de M&eacute;dico de Fam&iacute;lia. Conceito assente numa rela&ccedil;&atilde;o continuada no tempo e baseada na confian&ccedil;a. Se as vertentes de promo&ccedil;&atilde;o e preven&ccedil;&atilde;o da sa&uacute;de podem ser programada, j&aacute; os cuidados assistenciais requeridos por uma multiplicidade de factores f&iacute;sicos, psicol&oacute;gicos, sociais, culturais e existenciais, n&atilde;o. Ou o m&eacute;dico do utente est&aacute; dispon&iacute;vel num prazo curto, ou o momento passou. E isto tanto &eacute; verdade para uma pneumonia em in&iacute;cio, como para o sofrimento gerado para uma crise conjugal. A confian&ccedil;a de se poder recorrer em tempo &uacute;til ao "seu" m&eacute;dico de fam&iacute;lia &eacute; assim estrat&eacute;gica em MGF. Cito Juan Gervas: el tiempo m&aacute;ximo para ver al propio m&eacute;dico de cabecera ("m&iacute; m&eacute;dico") no deber&iacute;a ser mayor de 24 horas; en otro caso el m&eacute;dico general se convierte en m&eacute;dico de pacientes cr&oacute;nicos estabilizados obedientes y bien organizados (justo el grupo de pacientes que no necesitan m&eacute;dico) -la flexibilidad horaria y de atenci&oacute;n en clave en Medicina General". Assim, a pr&aacute;tica assistencial em Medicina Geral e Familiar, deve estar organizada para dar resposta &agrave;s situa&ccedil;&otilde;es agudas no pr&oacute;prio dia e a todas as demais no espa&ccedil;o de uma semana, porque nunca se sabe quais as que podem esperar e as que n&atilde;o podem. Perguntar&atilde;o: e o aumento da oferta n&atilde;o leva a um aumento da procura, tornando insuport&aacute;vel a vida de um m&eacute;dico? A resposta e n&atilde;o! O facto de a lista ser limitada leva que a procura n&atilde;o aumente. Em dois anos seguidos, tive exactamente o mesmo n&uacute;mero de consultas. Por outro lado, a oferta em cinco dias torna a vida da USF mais calma e desaparece a press&atilde;o di&aacute;ria de todos aqueles que dizem que n&atilde;o podem esperar 3 semanas. Consulta a 5 dias e carga hor&aacute;ria assistencial O DL das USF, bem com a portaria do Modelo B, nunca foram muito expl&iacute;citos sobre a defini&ccedil;&atilde;o das cargas hor&aacute;rias e as equipas regionais de acompanhamento (ERA) que chumbam a passagem a Modelo B de uma USF por faltar uma acta, tamb&eacute;m n&atilde;o, preocupando-se apenas com os programas. Assim, t&ecirc;m-se desenvolvido duas teses: - Os que consideram que o DL apenas fala em 35 horas e cumprimento dos indicadores. - Os que consideram que o pagamento das UC por aumento de lista se destina a pagar o aumento de trabalho correspondente e que aquelas UC se devem traduzir num aumento de horas. No limite, as USF que subscrevem a tese das 35 horas tendem a organizar as suas cargas hor&aacute;rias em torno das actividades dos programas relacionados com os indicadores e deixam o resto para consultas abertas e atendimentos complementares internos, em regime de inter-substitui&ccedil;&atilde;o. T&ecirc;m como refer&ecirc;ncia, para se conseguir uma consulta programada, as 3 semanas, de acordo com Portaria 1529/2008 de 26/12/2008, optando, neste caso, por se igualizarem &agrave;s UCSP, ao contr&aacute;rio de tudo o resto em que, inclusive, aceitam encargos superiores aos definidos legalmente na carteira de servi&ccedil;os das USF (mamografias e citologias de rastreio sistem&aacute;tico em vez de rastreio oportun&iacute;stico). Ora, esta segunda tese, que permite o absurdo de m&eacute;dicos que estavam em 42 horas venham para uma USF B ter mais doentes, ganhar mais e trabalhar menos 7 horas, parece-me uma fraude. Quer face ao Decreto-Lei, quer aos utentes, quer aos contribuintes! Face ao Decreto-Lei porque n&atilde;o respeita a liberdade que ele deu para as USF se auto-organizarem para o cumprimento dos seus objectivos assistenciais. Face aos utentes, porque ao n&atilde;o se contemplar um aumento de hor&aacute;rio correspondente &agrave;s UC pagas por aumento de lista, est&aacute;-se-lhes a roubar a possibilidade de conseguir mais cedo uma consulta com o seu m&eacute;dico. Face aos contribuintes, porque est&atilde;o a pagar por um aumento de horas (e servi&ccedil;o correspondente) que n&atilde;o acontece. O Decreto-Lei estabelece que a remunera&ccedil;&atilde;o base, 35 horas, corresponde a uma lista m&iacute;nima de 1917 unidades ponderadas (UP). Ora, das duas uma: ou se considera que as 35 horas s&atilde;o necess&aacute;rias para uma lista de 1917 unidades e que da&iacute; para cima s&atilde;o precisas, proporcionalmente, mais horas para manter a mesma qualidade de atendimento, ou ent&atilde;o que, afinal, as 35 horas s&atilde;o a mais para aquela lista base e ent&atilde;o a lista base devia aumentar. E n&atilde;o nos esque&ccedil;amos de que as primeiras seis UC t&ecirc;m uma pondera&ccedil;&atilde;o de 1,8. A quest&atilde;o n&atilde;o reside, contudo, no n&uacute;mero de horas. Mas no servi&ccedil;o que se presta ou n&atilde;o presta. &Eacute; com a barreira nas 35 horas. Em resumo: as consultas a 5 dias numa USF B s&atilde;o poss&iacute;veis, dentro da carga hor&aacute;ria aceit&aacute;vel que &eacute; aquela que tem como limite as UC de aumento de lista pagas. A carga hor&aacute;ria a praticar, em cada momento, deveria ser a necess&aacute;ria para cumprir este objectivo, dentro do referido limite de 35h+UC pagas pelo aumento de lista. Indicadores de acessibilidade em falta Dir&atilde;o alguns: mas n&oacute;s cumprimos com a carta de compromisso e respectivos indicadores que contratualizamos. Logo... N&atilde;o nos deve ser exigido mais nada. Pois. Mas verdade &eacute; que a vertente assistencial n&atilde;o est&aacute; contemplada nos indicadores. Porque quer os colegas envolvidos na escolha dos indicadores quer o ACSS apenas privilegiaram a vertente sanit&aacute;ria. E ainda recentemente ouvi um colega defender o aumento dos indicadores para que as USF perdessem a capacidade de se organizarem especificamente no sentido de responderem aos indicadores de modo a garantir que os que cumprissem seriam aqueles que desenvolviam naturalmente uma boa pr&aacute;tica. H&aacute; aqui um incompreens&iacute;vel desfoque elitista, com a agravante de se esquecer a vertente assistencial. Dir&atilde;o: N&atilde;o h&aacute; forma de monitorizar a vertente assistencial. Ora, a vertente assistencial pode ser medida pela disponibilidade do m&eacute;dico para atender os seus utentes. Porque se estes t&ecirc;m facilidade de chegar ao seu m&eacute;dico, e chegam, ent&atilde;o o m&eacute;dico tem que lhes dar resposta aos seus problemas. Assim prop&otilde;e-se que se juntem aos indicadores de taxa de utiliza&ccedil;&atilde;o e taxa de consultas pelo pr&oacute;prio m&eacute;dico, os seguintes indicadores: - taxa de consultas marcadas entre 1&ordm; e 5&ordm; dias &uacute;teis; - taxa de consultas marcadas entre o 1&ordm; e 10&ordm; dias &uacute;teis e; - taxa de consultas do dia feitas pelo pr&oacute;prio m&eacute;dico; - taxa de consultas do dia feitas pelo pr&oacute;prio m&eacute;dico/total de consultas feitas pelo pr&oacute;prio m&eacute;dico. As USF do modelo B, mesmo com as quest&otilde;es que abordo neste texto, protagonizam um extraordin&aacute;rio salto qualitativo nos cuidados de sa&uacute;de prim&aacute;rios. Todas as avalia&ccedil;&otilde;es o demonstram. Com aquilo que aqui se prop&otilde;e, elas seriam perfeitas. Ant&oacute;nio Alvim Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

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