Jornal Médico - Rui Cernadas: computadores e médicos

Do mesmo jeito - e facilidade - com que chegamos a casa ou ao trabalho e abrimos o correio electr&oacute;nico, o processo cl&iacute;nico &uacute;nico ir&aacute; representar um novo padr&atilde;o de exig&ecirc;ncia e de ganhos em sa&uacute;de Nem todos os dias s&atilde;o iguais, nem todos os dias s&atilde;o bons, nem todos os dias d&aacute; vontade de falar. Mas h&aacute; coisas que ningu&eacute;m hoje pode dispensar - o computador &eacute; uma delas. Mesmo aqueles - e principalmente aqueles - que deles diziam o piorio h&aacute; alguns anos atr&aacute;s... Vem isto a prop&oacute;sito do que se passa - ou n&atilde;o passa, conforme a perspectiva - com as tecnologias da informa&ccedil;&atilde;o e da comunica&ccedil;&atilde;o, que invadindo a generalidade dos dom&iacute;nios das nossas vidas, acamparam na sa&uacute;de, particularmente na vida dos m&eacute;dicos da medicina geral e familiar. Sobre o tema, deixo-vos uma pequena hist&oacute;ria, deliciosa, que um colega brasileiro me contou num momento de amena e breve cavaqueira p&oacute;s-prandial: - "Se mexer, pertence &agrave; biologia. Se cheirar mal, pertence &agrave; qu&iacute;mica. Se n&atilde;o funcionar mesmo, pertence &agrave; f&iacute;sica. Se ningu&eacute;m entender, &eacute; matem&aacute;tica. Se n&atilde;o faz sentido, ent&atilde;o &eacute; economia." Dito isto, calou-se... - "Ouve l&aacute;... E isso quer dizer o qu&ecirc;?" - Perguntei-lhe, sem perceber. O colega brasileiro olhou para mim, sorridente e matreiro, com um olhar que adivinhava que me ia "entalar": - "Se n&atilde;o mexe, se n&atilde;o cheira mal, se n&atilde;o funciona mesmo, se ningu&eacute;m entende e se n&atilde;o faz sentido, ent&atilde;o &eacute;, com certeza, Inform&aacute;tica!" Na realidade, os m&eacute;dicos portugueses realizaram um not&aacute;vel esfor&ccedil;o de adapta&ccedil;&atilde;o &agrave;s novas e sucessivas ferramentas inform&aacute;ticas, sobretudo tomando em considera&ccedil;&atilde;o que, na esmagadora maioria das situa&ccedil;&otilde;es, ou fizeram uma incipiente forma&ccedil;&atilde;o na pr&aacute;tica, muito anterior &agrave; disponibiliza&ccedil;&atilde;o das mesmas nos servi&ccedil;os de sa&uacute;de, ou n&atilde;o a fizeram de todo... E neste cap&iacute;tulo, portanto, devemos assumir, com clareza e com orgulho que, quando comparada com outros pa&iacute;ses europeus, a ades&atilde;o &agrave;s novas tecnologias a dissemina&ccedil;&atilde;o destas nos servi&ccedil;os de sa&uacute;de &eacute;, em Portugal, muito superior, at&eacute; porque falamos do SNS &agrave; escala nacional. Esta constata&ccedil;&atilde;o n&atilde;o nos deve, por&eacute;m, fazer esquecer que permanecem por resolver problemas j&aacute; diagnosticados e identificados milhares de vezes e para os quais, outras tantas, se prometeu resolu&ccedil;&atilde;o breve. Com efeito, as infra-estruturas da rede inform&aacute;tica da sa&uacute;de s&atilde;o limitad&iacute;ssimas e transmitem para os profissionais e para os utentes, uma imagem de lentid&atilde;o e de incapacidade desesperante. Mais do que a qualidade e os defeitos dos programas, obviamente sempre pass&iacute;veis de serem melhorados, em particular no que toca &agrave; informa&ccedil;&atilde;o sobre a gest&atilde;o dos dados e a capacidade de os trabalhar pelos operadores, &eacute; a "coluna vertebral", estrutural, que condiciona a satisfa&ccedil;&atilde;o de uns e de outros. Claro que a impossibilidade de os sistemas de informa&ccedil;&atilde;o falarem ou comunicarem entre si se torna dram&aacute;tica e exclui outros paradigmas da gest&atilde;o eficiente dos recursos, favorecendo o desperd&iacute;cio financeiro e a exposi&ccedil;&atilde;o dos utentes a riscos, inc&oacute;modos, exames e despesas desnecess&aacute;rias, tantas vezes duplicadas... A rela&ccedil;&atilde;o entre os m&eacute;dicos e as institui&ccedil;&otilde;es deu assim grandes passos - ou saltos - at&eacute; h&aacute; pouco inimagin&aacute;veis, numa vertente que, ainda assim, continua a ser deficientemente aproveitada... Muito provavelmente, foi ao n&iacute;vel do relacionamento entre os utentes e os seus m&eacute;dicos (e outros cuidadores), que os sistemas de informa&ccedil;&atilde;o tiveram maior impacto. A agilidade e a facilidade dos contactos pelo correio electr&oacute;nico, por exemplo, introduziu uma rede sobre a comunica&ccedil;&atilde;o, mais do que ter feito a comunica&ccedil;&atilde;o em rede. A proximidade e a intimidade que o "mail" proporciona, a par da tremenda facilidade na sua utiliza&ccedil;&atilde;o, desmaterializou os dados cl&iacute;nicos do processo e a necessidade de conservar pap&eacute;is e pastas pesadas e bolorentas. Sem se aperceberem disso, os m&eacute;dicos deram passos significativos de abertura &agrave; sociedade, expondo-se muito mais e obrigando-se a maiores cuidados e responsabiliza&ccedil;&atilde;o. A legitimidade no que toca &agrave; propriedade da informa&ccedil;&atilde;o adquiriu novos contornos - e tamb&eacute;m riscos - criando desafios para os quais n&atilde;o existem ainda respostas conclusivas. As inquieta&ccedil;&otilde;es est&atilde;o ainda muito longe de se esgotarem no receio de manusear os mais modernos meios de comunica&ccedil;&atilde;o ou softwares ou at&eacute; de discutir ou partilhar o conhecimento num espa&ccedil;o sem fronteiras f&iacute;sicas definidas. As preocupa&ccedil;&otilde;es ir&atilde;o gerar a necessidade de se equacionar, por um lado, o reconhecimento do n&iacute;vel j&aacute; atingido e por outro, de se avan&ccedil;ar de uma vez por todas para o chamado processo cl&iacute;nico electr&oacute;nico. Compreendendo as limita&ccedil;&otilde;es conjunturais e tudo o que a estas se associa no discurso coerente de esfor&ccedil;o or&ccedil;amental, n&atilde;o &eacute; aceit&aacute;vel que o caminho seja abandonado ou esquecido. Do mesmo jeito - e facilidade - com que chegamos a casa ou ao trabalho e abrimos o correio electr&oacute;nico, o processo cl&iacute;nico &uacute;nico ir&aacute; representar um novo padr&atilde;o de exig&ecirc;ncia e de ganhos em sa&uacute;de. Um ganho exponencial e &agrave; escala de um pa&iacute;s milen&aacute;rio!

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