
Há muitas vezes a tentação de comparar de modo direto a produção dos cuidados de saúde primários (CSP) com a dos cuidados hospitalares.
Aliás, a própria ACSS produz informação anual nesse sentido, resumindo a números grande parte da atividade do SNS.
A realidade é que os cuidados hospitalares excedem na sua capacidade produtiva a mera questão das consultas, primeiras e segundas ou subsequentes, ou até a habitual separação entre consultas externas, episódios de urgência, internamentos hospitalares e produção de ambulatório.
Ainda assim não se pode ignorar a assimetria na distribuição e afetação dos recursos humanos, com quase 80% deles alocados aos hospitais e pouco mais de 20% aos CSP…
O futuro do SNS e por isso dos nossos cidadãos e contribuintes não pode ficar aprisionado ou refém de decisões estratégicas de fundo… E de prazo. Pelo contrário.
É por isso que se pode tornar perigoso discutir ou trazer à praça pública os assuntos de forma avulsa e não integrada, ou de modo apressado e superficial. Por exemplo, relativamente à questão da reorganização da rede hospitalar e dos serviços de urgência.
Esta reflexão, primeiro, e decisão depois, não pode nem deve obedecer a lógicas mesquinhas e paroquiais, em que todos concordam com a generalidade, mas em que ninguém quer o seu “quintal” prejudicado ou secundarizado. E muito menos nos devemos deixar “embarcar” em soluções do tipo licitação ou compensação a título indemnizatório. Ninguém o compreenderia e tornaria impossível a aplicação de uma política tecnicamente credível e sustentada à escala nacional, primeiro, e regional depois.
A oferta hospitalar deverá articular-se com a acessibilidade e a proximidade dos CSP e com a avaliação, a cada momento, das necessidades em saúde da população afeta a cada instituição.
Não me parece, portanto, que possa ou deva constituir uma medida isolada ou precipitada no plano legislativo.
Até porque apesar das crises e dos apelos às camas hospitalares, ainda que legítimos e bem-intencionados, a organização do modelo hospitalar evolui e deve ser adaptada às novas exigências do saber e competências técnicas bem como à procura demográfica e epidemiológica.
A Organização Mundial de Saúde sublinha até a mudança de paradigma que fez reduzir a procura de cuidados por doenças agudas, infeciosas e nutricionais, e aumentar o peso das doenças crónicas e da necessidade da sua gestão.
Mais de metade da atividade cirúrgica realizada nos hospitais portugueses é realizada em ambulatório… Com mais economia para o sistema, maior conforto e menor risco para os utentes. Esta é, sem dúvida, uma razão estrutural para conduzir à redução da oferta de camas hospitalares. E nem falo da oferta privada e social sobre a qual deixo apenas uma breve nota… Relativamente ao número de cesarianas, ainda tão altas no âmbito do SNS e referidas como aspeto negativo pela OCDE e sobre as quais ninguém se dispõe discutir e que são claramente mais elevadas na hospitalização privada.
Regressando às camas hospitalares desativadas, o envelhecimento populacional e as comorbilidades podem acentuar uma procura relativa, em especial quando as urgências são pressionadas, aconselhando-se, por isso, uma nova lógica de previsão e gestão das disponibilidades das lotações, em função de necessidades específicas.
Talvez assim, um novo circuito conceptual do modelo hospitalar possa ser mais elástico e suscetível de capacidade de resposta a cada momento e realidade.
No fundo, em correspondência com as tendências da sociedade moderna, privilegiando quanto é portátil, rápido, acessível, fácil, imediato, fiável e reprodutível…
Afinal, poderá ser mais importante e mais adequado pensar os hospitais, em Portugal, mais do que através de “estrelas hoteleiras”, numa dimensão de eficiência do desdobramento da oferta face procura.
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