Jornal Médico - (A falta de) Acompanhamento em Saúde Mental em Portugal

Leia o artigo de opinião da autoria de Rita Pedrosa, interna do 4.º ano em Medicina Geral e Familiar (MGF), na USF Saúde no Futuro, ACeS Gaia, e de Gabriel José Teixeira, interno de 2.º ano de MGF, na USF St. André de Canidelo, ACeS Gaia, sobre a importância da consulta de Psicologia nos Cuidados de Saúde Primários e a ausência de resposta quando se pretende referenciar os utentes para este acompanhamento. A visibilidade da saúde mental tem aumentado nos últimos anos, mas será o suficiente? A saúde mental é um dos pilares basilares da saúde de uma população, sendo, portanto, progressivamente mais reconhecida como uma prioridade de saúde pública, quer pela sua prevalência quer pelo impacto socioeconómico associado. Em Portugal, o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental1 realizado em 2008- 2009 indica que 22.9% da população portuguesa apresenta patologia psiquiátrica (2º país da Europa com maior prevalência), sendo que 43% dos cidadãos portugueses já tiveram uma perturbação mental ao longo da sua vida. As perturbações de ansiedade são as mais prevalentes (16.5%), seguidas do grupo das perturbações do humor, que incluem a depressão, com uma prevalência de 10%. Analisando os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)2 de 2021 que indicam que, durante e após o período pandémico, houve um aumento significativo da prevalência de perturbação da ansiedade e da perturbação depressiva, especificamente no grupo de países avaliados no qual Portugal se inseria passando de 12% pré-pandemia para 25% (perturbação da ansiedade) e 12% para 22% (perturbação depressiva). Associadamente, observou-se um aumento nas taxas de suicídio em apenas cinco países da OCDE, nos quais se insere Portugal, passando de uma taxa de suicídio de cinco para 8.2 mortes por 100 mil habitantes. Infelizmente ainda existe um estigma substancial relativamente a estas patologias, impedindo que as pessoas procurem ajuda, o que condiciona provavelmente um subdiagnóstico, fazendo supor que os números reais sejam ainda mais altos.3 O impacto destas patologias é significativo na sociedade e economia portuguesa, conduzindo a maiores custos de saúde e a uma maior taxa de absentismo. Tanto em Portugal como na Europa a depressão é considerada a principal causa de incapacidade.4,5 A OCDE estima que as patologias de saúde mental custem cerca de 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB) aos países europeus (dados de 2021) e o relatório do conselho nacional de saúde aponta para valores de 3.7% em Portugal (dados de 2018).2,4 Estes valores estão associados a custos diretos com o tratamento, como consultas médicas e medicamentos, bem como a custos indiretos associados à perda de produtividade e ao absentismo laboral. Para contornar este problema, é importante uma intervenção terapêutica a vários níveis. Embora a medicação seja imprescindível em muitos casos, a realização de psicoterapia é essencial na maioria destas patologias, nomeadamente perturbação da ansiedade e perturbação do humor como a depressão. A psicoterapia capacita os doentes para a aquisição de ferramentas que os auxiliam à identificação do problema base, assim como a reagir adequadamente à sintomatologia. Diariamente, na nossa prática clínica como médicos internos de Medicina Geral e Familiar, observamos doentes que beneficiariam indubitavelmente de acompanhamento psicológico. No entanto, subsiste um problema fundamental: as longas listas de espera, de meses/anos, para a realização de uma consulta de psicologia nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), acrescido a um acompanhamento espaçado e, por isso, menos eficaz, ambos justificados pela carência de psicólogos nos CSP, conferindo aos presentes uma enorme carga de trabalho que impede um acompanhamento regular e célere dos utentes. E o que fazer nestas situações? Iniciar medicação? Sendo que com acompanhamento psicológico adequado a medicação seria desnecessária ou pelo menos autolimitada? Aconselhar recorrer ao sector privado promovendo uma desigualdade em que só alguns terão possibilidade de acesso? Estas questões não seriam tão frequentemente colocadas se houvesse um maior número de psicólogos no SNS. É verdade que a área da saúde mental tem sido alvo de cada vez maior atenção. Foi criado um Programa Nacional Saúde Mental que tem como objetivos melhorar o acesso aos serviços de saúde mental, sendo esta uma área considerada prioritária no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Foi, por fim, em janeiro deste ano que, ao fim de 5 anos de processo contratual, iniciaram funções nos cuidados primários 40 psicólogos, anunciados em concurso público em 2018. Mas serão suficientes 40 psicólogos para colmatar a enorme falta de psicólogos nos CSP? O rácio adequado segundo a Resolução da Assembleia da República n.º 158/2021 é de 1 psicólogo por 5000 habitantes, o que equivale a 20 por 100 mil habitantes. Segundo várias fontes jornalísticas e com referência à Ordem dos Psicólogos, nomeadamente na pessoa do Bastonário Dr. Francisco Miranda Rodrigues, dos cerca de 20 mil psicólogos existentes a nível nacional, apenas 250-300 trabalham nos CSP conferindo um rácio de 2,5-3 por 100 mil habitantes, claramente inferior ao necessário. Portanto, pese embora os 40 psicólogos contratados pela Administração Central do Sistema de Saúde nos CSP sejam muito bem-vindos, são claramente insuficientes face aos números necessários e necessidades previstas, continuando uma significativa parte da população com doença mental sem conseguir acompanhamento psicológico atempado. Sendo as perturbações de saúde mental tão prevalentes e impactantes para o doente e para o país, urgem novas medidas e a contratação de um maior número de psicólogos para os CSP. Bibliografia 1. Almeida, J. M. & Xavier, M. (2013). Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental: 1° relatório. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. ISBN: 978-989-98576-0-5. 2. OECD (2021), Health at a Glance 2021: OECD Indicators, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/ae3016b9-en. 3. Thornicroft, G., Sunkel, C., Alikhon Aliev, A., Baker, S., Brohan, E., el Chammay, R., Davies, K., Demissie, M., Duncan, J., Fekadu, W., Gronholm, P. C., Guerrero, Z., Gurung, D., Habtamu, K., Hanlon, C., Heim, E., Henderson, C., Hijazi, Z., Hoffman, C., … Winkler, P. (2022). The Lancet Commission on ending stigma and discrimination in mental health. In The Lancet (Vol. 400, Issue 10361, pp. 1438–1480). Elsevier BV. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)01470-2 4. Conselho Nacional de Saúde. Sem mais tempo a perder – Saúde mental em Portugal: um desafio para a próxima década. Lisboa: CNS, 2019. 5. Decreto-Lei n.º 113/2021, de 14 de dezembro

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