Jornal Médico - Que SNS é este?

"Estamos já em 2024 e o número de utentes sem médico de família, abaixo dos 2 milhões, é objecto de tentativas de contorno e camuflagem política do problema". Leia a crónica de Rui Cernadas sobre o estado atual do SNS e aquilo que poderia ser feito para colmatar as dificuldades e necessidades apresentadas por profissionais de saúde e utentes. Os cidadãos e as populações são cada vez mais exigentes em matéria de acessibilidade, proximidade e eficiência dos serviços públicos. Em termos de saúde julgo que sem errar, esse entendimento de demanda é ainda maior. As necessidades em saúde são importantes e determinantes mas, sabemos igualmente que, nesta actividade, a da saúde, a oferta gera a procura de cuidados. Um país, como Portugal, massacrado pelo envelhecimento e as questões demográficas e socio-económicas que lhe estão associadas, tem inevitavelmente uma tendência crescente de processos assistenciais, quer na área das doenças crónicas, quer do combate ao isolamento e perda de autonomia. Os últimos meses mostraram um SNS fragilizado e no qual, as carências de todo o tipo de recursos – que foram desde a carência de médicos e enfermeiros até macas, a erros de casting em muitas administrações e direcções de serviços e a faltas de empenhamento estratégico da Tutela – acentuaram justificadamente receios e temores nos utentes portugueses. O espectáculo de políticos e partidos em gritaria e disputa por quem mais quer salvar o SNS tornou-se confrangedor. Histerismo e estridor sem efeitos nenhuns… Estamos já em 2024 e o número de utentes sem médico de família, abaixo dos 2 milhões, é objecto de tentativas de contorno e camuflagem política do problema. O anúncio de mais USF é uma manobra que apenas apelida disso unidades e profissionais já antes existentes e em funcionamento. A diferença estará num maior número de utentes a atribuir a esses médicos, sem que tal represente o que foi – único e fundamental na Reforma dos Cuidados Primários – a autêntica essência das USF enquanto conceito organizativo ímpar na história do SNS e da Administração Pública! Os utentes do SNS e os profissionais que os servem não precisam de burocracias e de normas de cariz administrativo, desajustadas e inúteis, ou de procedimentos que desviam os segundos do centro do seu trabalho, em volta de indicadores e de procedimentos pouco inteligentes, sem sentido lógico e estratégico, sem impacto na melhoria do que verdadeiramente importa aos nossos doentes. Quem trata doentes, onde quer que seja, sabe que o mais precioso e desejado bem é, para todas as pessoas, a saúde. Infelizmente nem sempre em termos preventivos, atempados e sem bases sólidas de educação para a saúde e para hábitos e comportamentos saudáveis. Mas de facto, é o sofrimento que a todos assusta e impacta. Mais e mesmo antes do espectro da morte… E é este o ponto da minha preocupação e indignação, não por uma posição benevolente, condescendente ou de solidariedade… Atendimentos de doentes triados em serviços de urgência hospitalares, de necessidade clínica identificada e com tempos de resposta estupidamente ultrapassados, representam um risco para os profissionais destacados mas, sobretudo, um sofrimento inqualificável e que, sabemos ser agravado por condições de espera miseráveis. Sermos dirigidos e estou a deter-me no SNS e em dirigentes que, parecem ter esquecido por completo os grandes e primeiros ensinamentos médicos das nossas Faculdade, ao invés de me deixar mais tranquilo, assusta-me primeiro e revolta-me depois. A formação de um médico leva tempo, muito tempo. Na realidade, talvez por estar mais velho, recordo bem – melhor até por ser relativamente a memórias bem menos recentes – o que se aprendia nos dois anos iniciais do curso da Faculdade de Medicina do Porto: - As decisões que tomamos e principalmente as decisões que não tomamos determinam e condicionam os resultados e as consequências.

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