Jornal Médico - IA aplicada à saúde

"A IA tem de ser combinada com a Inteligência natural na decisão clínica de cada momento, transformado os profissionais não em robots, nem substituídos por eles (ou com medo disso), mas hibridizados com capacidades robóticas/inteligência combinada". Leia o artigo de opinião da autoria de Henrique Martins, médico, professor no ISCTE e ISCTE Executive Education, sobre o papel da inteligência artificial (IA) na prática da Medicina. Muito se tem falado da Inteligência Artificial, sobretudo no último ano de 2023. De repente, algo (uma tecnologia? ou um set de tecnologias? de metodologias? de abordagens a forma de pensar recriada por computadores?) cuja definição clara e âmbito as sociedades humanas se apressaram a tentar descobrir entro na boca de todos. O ChatGPT está para a (generative) AI [Artificial Intelligence] como o Blank&Becker (máquina de furar paredes que ficou conhecida pelo nome da marca) está para o universo de furadores de paredes, sendo que não só a Blank&Decker produz outras coisas como há várias empresas a produzir máquinas que furam paredes e permitem colocar nelas parafusos e buchas. E, contudo, não era infrequente em 2023 ouvir “ChatGPT” “AI” e robots a dominarem o mundo… na mesma frase, sem distinções. É a maturidade e o tempo, mas também o estudo, que nos dá duas capacidades fundamentais para lidar com algo profundamente impactante e absolutamente chave para o futuro da saúde como é a IA. Estas capacidades são: - Distinguir - e assim conseguir separar, subdividir classificar e encontrar nuances, subtipos, âmbitos de aplicação, de restrição, e risco - Ponderar – parar para pensar, não dizer logo que sim, ou que não. Conquistar tempo para “distinguir” melhor… e depois assim decidir BEM. A estas duas capacidades combinadas, poderíamos chamar Sabedoria, ou WISDOM como gosto de lhe chamar na framework KIWI (knowledge, intelligent, wise and interoperable), com a qual creio temos que olhar as organizações e sistemas de saúde no futuro. Ora, 2024 tem de ser o ano da Sabedoria a usar a Inteligência Artificial, e tem de ser também o ano de olhar para um investimento sério na IN – Inteligência Natural, como fazê-la crescer no indivíduo e sobretudo no coletivo – collective intelligence – e sobretudo, como combinar a IA com a IN, de um ou vários indivíduos. A sabedoria de usar IA na saúde não é diferente da que usamos para olhar para novos fármacos, novos métodos diagnósticos, novas opções terapêuticas, incluindo a paliação e medicina de fim de vida e a eutanásia – ciência combinada com compaixão e ética. A Inteligência natural é aquela que uns, mais do que outros, possuem à nascença (frase politicamente fora de moda, tendo as sociedades preferido apaixonar-se pela inteligência emocional, quando, efetivamente, há indivíduos com graus muito diferentes de inteligência natural, poderíamos dizer que uns operam com ChatGPT 3 e outros com o ChatGPT5). Ora na saúde há muito que sabemos que a educação é a chave para profissionais de qualidade. Médicos, enfermeiros, terapeutas, farmacêuticos etc… programas de formação rigorosos, avaliação ao longo da vida. A IA tem de ser ensinada. Por profissionais de saúde. Estes têm de ser ensinados sobre ela, por ela, e com ela. A IA na saúde tem de ser avaliada pelos métodos rigorosos com que avaliamos todas as outras intervenções, observado o princípio first do no harm. Por último, e aqui é a mudança, a IA tem de ser combinada com a Inteligência natural na decisão clínica de cada momento, transformado os profissionais não em robots, nem substituídos por eles (ou com medo disso), mas hibridizados com capacidades robóticas/inteligência combinada. E se o fizerem em redes humanas – trabalhando em equipa multidisciplinar – e aceitarem um novo membro da equipa de saúde – o robot dotado de IA – então teremos profissionais biónicos e equipas que combinam humanos e não humanos. Se estas prestarem melhores cuidados de saúde, tiverem melhores resultados que as anteriores, há alguma razão ética para não avançar? A chave está na preparação. Em IA. Em Saúde Digital. Para que os profissionais de e da saúde ganhem sabedoria e inteligência para usar, moldar, e enquadrar a IA aplicada, por eles, à Saúde.

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