Jornal Médico - “Dor Neuropática Periférica Induzida por Quimioterapia, um Desafio Complexo”

O Desafio da Gestão e Tratamento da Dor Neuropática Periférica Induzida por Quimioterapia foi o tema do simpósio Grünenthal, no âmbito do 30.º Congresso Medicina da Dor 2023, organizado pela ASTOR, no dia 3 de fevereiro, no ISCTE, em Lisboa. Saiba mais na edição 139 do Jornal Médico. A anestesiologista e coordenadora da Unidade Multidisciplinar de Dor do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNGE/EPE), Rita Moutinho apresentou os principais desafios na gestão destes doentes, começando por identificar a necessidade de uma maior sensibilização para os sintomas e diagnóstico desta entidade, numa sessão moderada pela fundadora do Centro Multidisciplinar de Dor do Hospital Garcia de Orta, Beatriz Craveiro-Lopes. A preletora, que também tem competência em Medicina da Dor e uma pós-graduação em Medicina da Dor, iniciou a sua comunicação referindo que o tema global da International Association for the Study of Pain (IASP) para 20231 é “Cuidados integrativos em Dor”. Neste sentido, referiu a importância de recorrer e utilizar todas as estratégias sinérgicas disponíveis para tratar o doente com dor, envolvendo diversos profissionais de saúde. De seguida, Rita Moutinho apresentou um manuscrito, denominado: “Dor Neuropática Periférica Induzida por Quimioterapia (dNPIQ) no Doente Oncológico /Sobrevivente de Cancro” recentemente publicado na Acta Médica Portuguesa2, que exemplifica essa abordagem integrativa, reunindo como autores, não só a oradora, como vários colegas da área da Medicina da Dor e da Oncologia Clínica. “Este artigo mostra a importância desta temática, um efeito adverso comum da terapia oncológica, com uma prevalência alta, cerca de 70% no 1º mês, 60% aos 3 meses, 30% após os 6 meses3. A incidência varia consoante o agente quimioterápico, a dose e a duração da exposição. Por vezes pode afetar negativamente os resultados dos tratamentos oncológicos, porque pode ter de vir a ser alterada a terapêutica, ou até mesmo suspensa. Tem um impacto profundo na funcionalidade e na qualidade de vida do doente4”. A autora continuou referindo que o artigo está de acordo com as mais recentes guidelines da ASCO e ESMO 5 sobre esta patologia, sublinhando o que considerou serem os três pontos principais na gestão destes doentes, em primeiro lugar, considera, o diagnóstico precoce, que deve ser feito na consulta de oncologia médica, sendo depois revista a prescrição de fármacos antineoplásicos e feito o controlo de fatores de risco e de comorbilidades. O segundo ponto, o início do tratamento dirigido, e sem perda de tempo para a dNPIQ e, como terceiro ponto, a referenciação precoce às unidades de dor. Relativamente aos fatores de risco para a neuropatia induzida por quimioterapia, a oradora enumerou idade superior a 65 anos, a etnia africana, patologias como a diabetes, obesidade e neuropatia prévia, “que aumenta em 8 vezes o risco de neuropatia pós quimioterapia”, alteração da função renal, ansiedade, insónia, fatores genéticos, o estilo de vida (exercício, tabaco e álcool), alterações nutricionais (deficiência de vitamina D e B12)” e claro, tratamentos neurotóxicos. Focando-se depois nas guidelines e nos tratamentos disponíveis para a dNPIQ, a oradora frisou a duloxetina, como fármaco de eficácia comprovada e preconizado nesta entidade, recordando no entanto, potenciais interações major com outros medicamentos realizados frequentemente por doentes e sobreviventes oncológicos (como o tamoxifeno), conduzindo à necessidade de extrapolar dados de eficácia de outras patologias de dor neuropática, alargando o tratamento da dNIPQ com outras classes terapêuticas, acrescentando que existem também estudos e evidência relativa aos tratamentos tópicos, que vê com grande interesse, uma vez que “com o tratamento tópico evitam-se os efeitos secundários sistémicos e as interações farmacológicas”. Foi precisamente neste ponto que a oradora se dedicou à apresentação de evidência científica e clínica que suporta a utilização da capsaicina tópica no tratamento desta entidade, sugerindo também, à luz de estudos recentes, a possibilidade de ser esta um agente “diasease modifying”. ‘’O adesivo cutâneo de capsaicina 179mg, é um tratamento bem tolerado, que apresenta um bom perfil de segurança e baixo risco de efeitos adversos sistémicos, quando comparado com terapêutica sistémica, e está autorizado na Europa para dor neuropática periférica, incluindo doentes com dNPIQ4,6 ”. A oradora fez referência aos resultados do estudo “Rational treatment of chemotherpy-induced peripheral neuropathy with capsaicin 8% patch: from pain relief towards disease modification”7, no qual foi observada uma redução significativa da dor e dos sintomas relacionados com a dNPIQ após tratamento com adesivo cutâneo de capsaicina 179mg, mencionando que a análise das s biópsias cutâneas levam ao surgimento da hipótese deste tratamento pode conduzir “à regeneração e restauração das fibras nervosas sensoriais, ou seja, ser um possível agente modificador da doença”. Foi também referido, por esta especialista, tendo por base os resultados do estudo “Treatment of peripheral neuropathic pain by topical capsaicin: Impact of pre-existing pain in the QUEPP-STUDY”8 que a maior resposta ao tratamento com o adesivo cutâneo de capsaicina 179mg foi observada em doentes com história de dor neuropática periférica pré-existente há menos de 6 meses, sugerindo um início precoce do tratamento tópico. Referindo-se à possibilidade de retratamento com a capsaicina tópica 179mg, a oradora, realçou o artigo “Progressive Response to Repeat Application of Capsaicin 179 mg (8% w/w) Cutaneous Patch in Peripheral Neuropathic Pain: Comprehensive New Analysis and Clinical Implications” 9, evidenciando as suas principais conclusões, nomeadamente, “os mecanismos potenciais subjacentes às respostas progressivas ao adesivo cutâneo de capsaicina 179 mg podem estar relacionados com a modificação da doença devido ao “pruning”/corte de fibras nervosas anormais (axotomia terminal cutânea de fibras cutâneas que expressam seletivamente o receptor TRPV1) isto é, degeneração da terminação nervosa seguida de regeneração da fibra num perfil fenotípico mais normal/saudável, e que esse efeito pode tornar-se mais pronunciado com cada tratamento sucessivo”. Ou seja, “os respondedores mais lentos parecem alcançar os respondedores rápidos ao longo do tempo" e, como tal, “a repetição do tratamento pode ser importante para maximizar a eficácia naqueles que inicialmente não respondem”, concluiu Rita Moutinho. Este artigo é da exclusiva responsabilidade e iniciativa editorial do Jornal Médico Referências: 1 IASP 2023 Global Year for Integrative Pain Care. [Internet]. Acedido a fevereiro de 2023. Disponível em: https://www.iasp-pain.org/advocacy/global-year/integrative-pain-care/ 2 Capela A, Alonso R, Araújo A, Craveiro-Lopes B, Fragoso RM, Mansinho H, Moutinho R, Teixeira JA, Vieira C, Veiga D. Chemotherapy-Induced Peripheral Neuropathic Pain in Cancer Patients/Survivors. Acta Med Port [Internet]. 2023 Feb. 1 [cited 2023 Feb. 7];36(2):77-80. Available from: https://actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/18750 3 Salat Kinga. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: part 1—current state of knowledge and perspectives for pharmacotherapy.Pharmacol Rep. 2020 Jun;72(3):486-507. doi: 10.1007/s43440-020-00109-y. 4 Maihöfner CG, Diel I, Tesch H, Quandel T, Baron R. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy (CIPN): current therapies and topical treatment option with high-concentration capsaicin. Support Care Cancer (2021) 29:4223–4238 5 Guidelines ASCO, Annals of Oncology, 2020; Guidelines ESMO, Journal of Clinical Oncology, 2020. 6 Drugs.com. [Internet]. Acedido a fevereiro de 2023. Disponível em: https://www.drugs.com/drug_interactions.html. 7 Anand P, Elsafa E, Privitera R, Naidoo K, Yiangou Y, Donatien P, Gabra H, Wasan H, Kenny L, Rahemtulla A, Misra P. Rational treatment of chemotherapy-induced peripheral neuropathy with capsaicin 8% patch: from pain relief towards disease modification. J Pain Res. 2019 Jul 3;12:2039-2052. doi: 10.2147/JPR.S213912. PMID: 31308732; PMCID: PMC6613356. 8 Maihöfner CG, Heskamp ML. Treatment of peripheral neuropathic pain by topical capsaicin: Impact of pre-existing pain in the QUEPP-study. Eur J Pain. 2014 May;18(5):671-9. doi: 10.1002/j.1532-2149.2013.00415.x. Epub 2013 Oct 29. PMID: 24259265; PMCID: PMC4238838. 9Freynhagen R, Argoff C, Eerdekens M, Engelen S, Perrot S. Progressive Response to Repeat Application of Capsaicin 179 mg (8% w/w) Cutaneous Patch in Peripheral Neuropathic Pain: Comprehensive New Analysis and Clinical Implications. Pain Med. 2021 Oct 8;22(10):2324-2336. doi: 10.1093/pm/pnab113. PMID: 33871648; PMCID: PMC8500721.

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