Jornal Médico - Luís Madeira: Evolução do tratamento para a depressão

“O que mudou no tratamento do doente com depressão?” foi a questão a que Luís Madeira tentou responder durante o simpósio promovido pela Lundbeck, no âmbito da 27.ª edição das Jornadas Nacionais Patient Care. Ao longo da sessão, o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e coordenador de Psiquiatria no Hospital CUF Descobertas deu a conhecer a história do tratamento da depressão, centrando-se nos últimos 10 anos de evolução da terapêutica e, em particular, nas mais-valias da vortioxetina. Saiba mais na edição 140 do Jornal Médico. “A categoria a que hoje chamamos de depressão é das mais coerentes na história da Psiquiatria sendo possível encontrar descrições na Grécia antiga”, afirmou Luís Madeira ao começar pelos primeiros 2300 anos de história (400 a.C. – 1900 d.C.), mencionando nomes como Xenofonte de Atenas ou Hipócrates, este último “encontrando sintomas da depressão com detalhe extraordinário e que, até hoje, pouco mudaram” feita pelo “pai da Medicina”. Ainda na primeira parte da sua palestra, Luís Madeira citou Robert Burton e o seu livro “The Anatomy of Melancholy”, escrito em 1621, no qual “a época, seria a descrição mais precisa de um episodio depressivo”, caracterizando “diferenças entre quadros depressivos reativos e um não reativos”. Para Burton, várias das nossas atuais propostas na prevenção primária e secundária da depressão eram já consideradas relevantes incluindo a importância da alimentação e do exercício físico, de avaliarmos o contexto em que o doente está e favorecer um ritmo circadiano normal”, explicou – ressalvando, contudo, muitos outros aspetos que caíram em desuso, já que Robert Burton defendia o recurso às “sangrias e purgas”. Tal como indicado pelo orador, “o empirismo entre o século XVI e XVIII veio transformar a forma como se viam as doenças mentais”. Em 1884, Theodor Meynert publicou o primeiro livro médico sobre doenças mentais, intitulado “Psychiatry: Clinical Treatise on Diseases of the Forebrain”. O autor foi um dos mentores de Sigmund Freud, igualmente mencionado por Luís Madeira: “Freud reiterou que a intenção da Psicologia era encontrar bases biológicas e, um dia, ser quantitativamente medida no cérebro. Mas, frustrado com as suas investigações, progressivamente, enveredou por uma estrutura teórica radicalmente diferente, de natureza compreensiva para o sofrimento humano, que manterá o rumo da Psiquiatria durante mais de 60 anos.” O tratamento da depressão, entre 1913 e 2013 Luís Madeira falou ainda sobre as intervenções não farmacológicas que surgiram a partir de 1920 e que abrangiam, por exemplo, “remoção de órgãos, lobotomia, tratamento com febre malárica, hidroterapia, coma insulínico ou terapia electroconvulsiva”. As mudanças fundamentais do século XX, como as guerras ou a centralização das pessoas em cidades, condicionaram a visibilidade da doença mental e a necessidade de intervir de forma a garantir o funcionamento da sociedade. Infelizmente várias das intervenções na Psiquiatria, incluindo as farmacológicas, “estigmatizaram a Psiquiatria durante muitos anos, pelos efeitos secundários, pela dependência que causavam”. A prevalência do uso de psicofármacos que hoje nos aflige não é recente e, por exemplo, o meprobamato, em 1955, chegou mesmo a ser “o fármaco mais prescrito nos Estados Unidos da América”. Em 1971, este lugar passou a ser ocupado pelo diazepam, já que 20% de todas as mulheres e 8% dos homens reportavam utilizá-lo. A doença mental tornou-se ubíqua e as pessoas nestes anos procuravam ajuda psiquiátrica por motivos diferentes da gravidade “sendo medicadas simplesmente porque dormiam mal.” Em conjunto com as correntes ideológicas e sociais dos anos 60 e 70, que eram contrárias à prática clínica dogmática e estigmatizadora, determinaram vários movimentos antipsiquiátricos que aprofundaram a crise de credibilidade da psiquiatria. Foi apenas nos anos 80, com várias outras pressões, que foi permitido ressurgir a relevância da profissão como chave no tratamento da doença mental – uma prática fundada na ciência e fundamental para a recuperação da doença mental grave. Nos anos 80 e 90 surgiram finalmente fármacos para a depressão com excelente eficácia e um melhor perfil de efeitos secundários clarificou o especialista “chegando aos anos 80, surgiram fármacos revolucionários que não só tinham poucos efeitos secundários como tinham respostas excelentes na melhoria sintomática oferecendo aos doentes em ambulatório algo fundamental”. A revolução dos SSRI (inibidores seletivos da recaptação da serotonina) e SNRI (inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina), porém não respondeu a algumas dificuldades mantidas por doentes no seu processo de tratamento – dificuldades cognitivas, dificuldades na esfera da sexualidade e sentimento de distanciamento/despersonalização. De 2013 aos dias de hoje Segundo Luís Madeira, na última década promoveu-se cada vez mais a intervenção holística na doença mental garantindo que o doente não só tem acompanhamento psicológico como faz mudanças na sua vida “Não tenho doentes que não façam exercício físico. É uma regra para serem acompanhados. Além disto, dormirem e acordarem à mesma hora todos os dias, comerem cinco refeições por dia, hidratarem-se com dois litros de água por dia… tudo isto tem um impacto muito significativo no funcionamento dos doentes com depressão”. Também refere que “medicar sem psicoterapia em situações de adaptação de vida com sintomas depressivos é pouco prudente pois o sujeito não melhora”. Promoveu-se ainda a recuperação funcional total e não apenas uma remissão sintomática – no passado aceitavam-se alguns sintomas residuais ou por vezes não se perguntavam sobre eles – por exemplo, a memória e concentração. É hoje claro que a depressão, e as doenças do humor não afetam estritamente as emoções do doente. A depressão atinge toda a relação do sujeito com o mundo que o rodeia e, também, a “capacidade de processar, reter e aceder à informação” encontrando-se, muitas vezes, “doentes desesperados por não conseguirem trabalhar”. Tornou-se muito claro que os “doentes deprimidos morrem mais, não pelo suicídio, mas pelas suas comorbilidades e comportamentos de risco seja o consumo de tabaco, a pobreza da dieta, a ausência de exercício – são estes os principais fatores de impacto na esperança média de vida”, assegurou. Também, que é necessário tratar doentes com doença hepática, cardiovascular e renal ou outros tratamentos, atendendo as interações com os CYP450, motivando cuidados adicionais na escolha do fármaco. Ainda, a eficácia do fármaco não corresponde à efetividade real observada, pois muitos doentes abandonam o tratamento precocemente, principalmente pelo aumento ponderal, a diminuição da líbido e um período inicial de insónia. Posto isto, o palestrante defendeu que se, de uma forma simplista os antidepressivos são quase todos eles eficazes, o perfil de efeitos secundários não o é e os médicos beneficiam de utilizar uma “tabelas de efeitos secundários”. Esta lista é vasta e os efeitos secundários incluem náuseas, tonturas, sonolência, sudação, disfunção sexual, anorexia, aumento de peso, etc” sendo crucial oferecer ao doente a hipótese de escolher uma “lista de antidepressivos” explicando “o perfil de efeitos secundários dos fármacos”. Existem hoje novos fármacos em estudo e novas estratégias terapêuticas não farmacológicas. Luís Madeira mencionou brevemente o uso de psicadélicos (p.e. psilocibina, a quetamina e a esquetamina) e da estimulação magnética transcraniana que ainda devem ser vistos com cuidado uma vez que “não têm ainda evidência conclusiva sobre a sua eficácia na doença mental grave”. O especialista reservou os últimos minutos desta sua palestra, patrocinada pela Lundbeck, para falar do mais recente anti-depressivo deste laboratório – vortioxetina – que se destaca porque “atinge outros recetores além dos SSRI” [inibidores seletivos da recaptação da serotonina]. É um fármaco que vejo ter “vantagens claras no tratamento” pois além da sua segurança “não tendo interações com citocromos, pode ser usado em casos de doença hepática e renal e em doentes polimedicados... tem um dos melhores perfis de efeitos secundários”, sendo as náuseas “quase o único evento adverso reportado pelos doentes”. Além disto, é simples de iniciar tendo uma excelente tolerabilidade na introdução. Partilhando a sua experiência, Luís Madeira relatou: “ainda em 2015, observava doentes com profissões intelectualmente estimulantes, que reportavam – espontaneamente – que sentiam as dificuldades cognitivas colmatadas ao serem tratados com vortioxetina.” Em jeito de conclusão, o palestrante citou o estudo de Bang-Andersen B et al. (J Med Chem. 2011) para salientar que “existem apenas dois antidepressivos com evidência de não diminuir a capacidade cognitiva dos doentes: a duloxetina e a vortioxetina. Não existem outros antidepressivos com esta evidência e é essencial termos consciência de que os antidepressivos mais antigos, como os tricíclicos, alteram algumas funções cognitivas”. Mas talvez mais notório ainda, a vortioxetina tem um impacto negligente na vida sexual do doente e no seu peso – exigências fundamentais para a adesão ao tratamento a médio e longo prazo que, “no seu conjunto, fazem deste fármaco uma escolha de primeira linha no tratamento da depressão” finalizou. Este artigo é da exclusiva responsabilidade e iniciativa editorial do Jornal Médico

Terceiro espaço

Mais lidas