Jornal Médico - Filipa Osório: “É essencial um diagnóstico mais precoce da endometriose”

Integrado na Sessão “Casos Clínicos – Saúde da Mulher”, o caso clínico sobre endometriose foi apresentado e comentado por Filipa Osório, médica ginecologista do Hospital da Luz Lisboa e especialista em endometriose e cirurgia minimamente invasiva. Saiba mais na edição 141 do Jornal Médico. A secretária da Seção de Endoscopia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia e também membro do Advisory Board da Sociedade Europeia de Ginecologia Endoscópica começou por caraterizar o caso clínico: “Mulher com 32 anos, que parou contracetivo oral combinado há 18 meses para engravidar, que inicia queixas progressivas de dismenorreia e dispareunia, e que recorre à consulta de Medicina Geral e Familiar (MGF), onde é pedida uma ecografia pélvica e avaliação analítica e encaminhada para hospital da sua área para consulta de infertilidade.” De volta à consulta de MGF, a ecografia pélvica realizada “apresenta um útero em RVG 66x36x44, endométrio fino, ovários aderentes, o direito com endometrioma de 2 cm, bem como um nódulo/espessamento de toda a vertente direita da bexiga, tendo a doente sido referenciada à consulta de endometriose”. Já na consulta de endometriose, Filipa Osório informou que “nestes casos é sempre feita uma avaliação inicial, estabelecido um plano terapêutico individualizado, seguido de orientação seja para terapêutica médica, seja cirúrgica, ou passagem pela consulta de infertilidade”. No fundo, “o objetivo é sempre individualizar o tratamento”, destacou. Desta forma, e idealmente, “antes da consulta de Ginecologia é realizado um questionário de qualidade de vida adaptado para a endometriose (EHP-30), pedida uma ecografia pélvica diferenciada, e, na consulta de Ginecologia, são analisados todos os exames feitos para trás e realizado o exame objetivo para, a partir daí, atuamos de acordo”. Assim, após a avaliação da dor “concluímos que esta mulher apresentava dismenorreia (9/10), dispareunia (6/10), disquesia (5/10), disúria (10/10), dor crónica (8/10)”. Já quanto ao exame objetivo, e olhando para trás do colo do útero, “observámos parede anterior da vagina com infiltração pétrea do 1/3 superior e um nódulo do septo retovaginal com cerca de 2 cm”, referiu. Perante este quadro, continuou a ginecologista, “foram pedidos mais exames complementares, tendo os resultados da ressonância magnética abdominopélvica e UroTC revelado uma volumosa lesão infiltrativa da parede posterior e lateral direita da bexiga 77x35x24 mm, que preenche o espaço vesicouterino e infiltra o meato ureteral direito. Foi também confirmado um en dometrioma direito com 2 cm, e o tal nódulo septo retovaginal. Adicionalmente, o renograma revelou que rim direito deixou de funcionar”. Destacando que a atuação médica “será sempre no sentido de realizar um tratamento individualizado e que a questão central é saber o que quer a mulher”, Filipa Osório observou que, “neste caso estamos perante uma mulher que quer engravidar, mas que ao mesmo tempo apresenta um rim sem função, uma bexiga extremamente envolvida, um nódulo agarrado ao intestino, ou seja, além de querer preservar a fertilidade, também quer ter mais qualidade de vida, controlar a dor e preservar os seus órgãos”. Por isso, “temos de ter todos estes aspetos em conta antes de passar ao próximo passo, que, terá de ser uma cirurgia (pois existe envolvimento de órgão e dor incapacitante), preservando a fertilidade”, notou a preletora. Depois, até à recuperação cirúrgica é instituído um tratamento médico com terapêutica hormonal para controlar a dor e as hemorragias (que é primeira linha nestas situações), sendo que após o tratamento cirúrgico (que pode ser conservador ou radical e que é segunda linha), a mulher deve parar a terapêutica hormonal e voltar a tentar engravidar. Adicionalmente, “é extremamente importante instituir hábitos de vida saudáveis, como a dieta anti-inflamatória para diminuir a inflamação abdominal e as queixas de distensão e promover o exercício físico”. Por fim, “devemos conduzir estas mulheres que estão a tentar engravidar para uma consulta de PMA para o tratamento da sua infertilidade”. Na cirurgia realizada à mulher do caso clínico, a médica informou que “foi retirado o rim direito e realizado o repuxamento do intestino para o útero, pois apresentava uma versão muito agressiva da doença, demonstrando a importância de detetar a endometriose o mais cedo possível”. Por isso, apelou: “a vossa participação é extremamente importante. É fundamental saber ouvir e estar alerta quando uma mulher se queixa de dor que é incapacitante, porque uma mulher em idade fértil pode ter endometriose”. A especialista finalizou lembrando que esta é uma doença que afeta uma em cada 10 mulheres em idade fértil em Portugal (350 mil mulheres), considerando ser “essencial um diagnóstico mais precoce (existe um atraso entre sete a 10 anos no diagnóstico da endometriose), encaminhar as mulheres para centros de referência onde podem ter uma abordagem multidisciplinar e usufruir de um tratamento individualizado, com a possibilidade de preservação da fertilidade e, claro, de uma maior qualidade de vida”.

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