Jornal Médico - Doenças respiratórias no idoso: O que há de novo na vacinação?

As novidades relativas à vacinação contra as doenças respiratórias nos mais idosos estiveram em destaque numa sessão integrada na 6.ª Reunião do Núcleo de Estudos de Geriatria, da Sociedade Portuguesa da Medicina Interna (SPMI), que decorreu a 26 de outubro, na Figueira da Foz. A gripe, o vírus sincicial respiratório (VSR) e a pneumonia pneumocócica foram os subtemas abordados, respetivamente, pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, pela geriatra e epidemiologista italiana, Stefania Maggi, e pelo internista e coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Respiratórias (NEDR), da SPMI, Pedro Leuschner. O que há de novo… na gripe António Morais, do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, professor na Faculdade de Medicina do Porto e presidente da SPP, apresentou uma preleção que versou os conceitos-chave relacionados com a importância da vacinação contra a gripe nos mais idosos. O especialista observou, desde logo, que “apesar de a gripe ser geralmente autolimitada, tem uma elevada carga de doença grave e de mortalidade, sendo mesmo uma das causas mais frequente da mortalidade relacionada com infeções, e que é significativamente maior nos mais idosos”. Em seguida, o pneumologista centrou a sua atenção em três das complicações mais comuns da gripe - as doenças respiratórias, as doenças cardíacas e a diabetes -, começando por referir que “a infeção traqueobrônquica é a causa mais comum das exacerbações da doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), sendo que os vírus respiratórios estão envolvidos em aproximadamente 30% a 50% dos casos”. Além disso, “a DPOC é a doença subjacente mais prevalente entre os doentes hospitalizados com doença respiratória aguda durante epidemias de influenza, o que nos indica que é um dos principais fatores de risco para um desfecho pior”. Felizmente, como também informou, “numerosas e amplas séries de estudos mostraram que a imunização de doentes mais idosos com DPOC contra a influenza reduz muito significativamente o risco de infeção, mas principalmente das hospitalizações e da mortalidade”. O mesmo acontece na doença cardíaca. Segundo o presidente da SPP, “o vírus influenza pode condicionar a um aumento do risco de episódios cardíacos agudos, nomeadamente enfarte do miocárdio, mas com dados que nos apontam para uma redução significativa deste risco com a vacinação antigripal, entre 19 a 45%, valor semelhante aos doentes com DPOC”. Já no caso da diabetes, o médico explicou que “esta proporciona condições para um maior risco de infeção pelo vírus influenza e maior risco de doença mais grave e de mortalidade”. E, por outro lado, o próprio vírus em si condiciona mecanismos que levam a que seja mais difícil a correção da glicemia”. Mas, “também na diabetes a vacinação contra a gripe tem um impacto positivo (redução de risco de 24%), com dados que nos apontam que esse impacto é ainda maior nos indivíduos com ≥ 65 anos”. Precisamente nesse grupo de doentes com mais de 65 anos “a vacinação foi relacionada com 48% de redução do risco de mortalidade e de 27% de redução do risco de hospital hospitalização”, reforçou. Por outro lado, evidenciou o especialista, “o risco é maior para a infeção também nos casos de imunossupressão, além do impacto que pode ter na descompensação das doenças crónicas ou no surgimento de doenças que até aí não se manifestaram”, lembrando António Morais que “o doente idoso pode ter sintomas atípicos da infeção, o que mostra a necessidade de um acompanhamento mais rigoroso dadas as complicações já presentes”. Relativamente à vacinação, o orador recordou que “dispomos já da vacinação inativa e quadrivalente, e, mais recentemente, da vacina de dose elevada, que vem responder à necessidade dos mais idosos que respondem menos, por mecanismos de senescência, ao estímulo dado pelas vacinas tradicionais”. Conforme sublinhou o preletor, “há cerca de dois anos que dispomos no nosso país da vacina de dose elevada, que, através de um aumento da hemaglutinina, provoca também um aumento da resposta de anticorpos dos doentes mais velhos, permitindo não só uma diminuição de infeção (em cerca de 20%), como também da doença grave, um desempenho que é transversal a várias comorbilidades, nomeadamente no caso da doença respiratória, cardíaca e da diabetes”. Inicialmente, estes ensaios foram realizados para a vacina trivalente, mas, como referiu o especialista, “também já dispomos de dados sobre a vacina quadrivalente - várias metanálises, seis estudos randomizados e alguns estudos observacionais -, que nos mostram uma diminuição da infeção e uma diminuição da gravidade da infeção, mesmo estratificada para as várias comorbilidades”. Especificamente, e comparando a vacina de dose elevada com a vacinação standard, “verificamos que a primeira permite a diminuição da infeção em cerca de 24,2%, a diminuição em 16,7% das hospitalizações por problemas cardiorrespiratórios, a diminuição em 14,4% das hospitalizações por pneumonia ou gripe grave e a diminuição de 8,2% das hospitalizações por todas as causas”, salientou. A finalizar, o presidente da SPP destacou o facto de “existirem já vários países em que há uma indicação preferencial desta vacina para a prevenção da gripe nos indivíduos com > 60 anos”, lamentando que em Portugal, “esta seja apenas distribuída gratuitamente nos lares ou levantamento na farmácia após prescrição médica, sem comparticipação”. António Morais terminou a preleção referindo as conclusões de um grupo de peritos portugueses de várias sociedades científicas, que reforçam “a enorme importância da vacinação em indivíduos com > 60 anos, com comorbilidades, e o facto de apenas metade dos profissionais de saúde estarem vacinados”, reforçando que “a gratuidade e a facilidade do acesso à vacina é claramente a grande responsável pela excelente taxa de vacinação nas pessoas com mais de 65 anos em Portugal e que agora há que fazer o mesmo trabalho no grupo etário dos 60-64 anos, com comorbilidades”. O que há de novo…na infeção por RSV Na sua intervenção, a geriatra Stefania Maggi, também diretora do Ramo de Investigação do Envelhecimento do National Research Council italiano, em Pádua, começou por discutir os aspetos epidemiológicos e clínicos da infeção pelo VSR nos idosos, lembrando que esta é “uma infeção séria, com um risco de hospitalização e mortalidade semelhante ao do vírus influenza, com a agravante de apresentar sintomas que se podem confundir com outros vírus respiratórios, e que podem ter uma apresentação atípica nos mais idosos”. Adicionalmente, “a presença de comorbilidades aumenta exponencialmente a incidência do VSR, as taxas de hospitalização e a taxa de mortalidade intra-hospitalar, além do enorme impacto no sistema de saúde”, observou. Atualmente, contudo, “existe felizmente uma visão mais otimista”, lembrando a especialista os “16 anos de esforço para produzir vacinas seguras e eficazes nos vários grupos populacionais”. No caso específico da população idosa, a geriatra recordou que “recentemente foram colocadas duas vacinas no mercado” e ainda que “devido aos diferentes níveis de imunidade pré-existente para RSV, o uso de uma vacina viva atenuada não é recomendada, sendo preferíveis as modalidades à base de subunidades e vetores, uma vez que estas permitem uma dose de antígeno aumentada em comparação com as vacinas de vírus inteiro”. Em seguida, Stefania Maggi referiu-se às vacinas que estão em estudo de fase 3: Baseadas em subunidades compostas por proteínas virais purificadas (pre-F), administradas sozinhas ou com adjuvante (Pfizer e GSK), e a vacina de RNA mensageiro mRNA1345 (Moderna), que codifica uma glicoproteína F pré-fusão estabilizada. Apesar de os estudos ainda não estarem concluídos, a especialista destacou alguns dos dados preliminares que evidenciam, “da análise da vacina RSVPreF3 nos utentes com > 60 anos, uma taxa de eficácia elevada, mesmo na forma severa da doença e sem problemas de segurança”. Por outro lado, “a vacina RSV mRNA-1345, que codifica uma glicoproteína F pré-fusão estabilizada, está em estado avançado de consideração pelas agências do medicamento, tendo atingido o endpoint primário de eficácia em janeiro de 2023”. “Os resultados deste estudo, que ainda está em andamento, revelam uma elevadíssima eficácia de 83,7% contra a doença do trato respiratório inferior causada pelo VSR, definida como dois ou mais sintomas em adultos mais velhos, e foi, de uma forma geral, bem tolerada, sem problemas de segurança identificados”, sublinhou. A geriatra concluiu a sua apresentação elencando os obstáculos atuais na vacinação contra o VSR, relacionados com o seu subdiagnóstico em adultos mais velhos, apelidando a situação e “epidemia oculta”, uma vez que “um dos maiores problemas é o facto de não ser possível o diagnóstico clínico, uma vez que os sintomas tornam-no indistinguível de outras causas importantes de infeções do trato respiratório superior e inferior”. Por outro lado, alertou, “é patente a falta de incentivo para diagnosticar o VSR, uma vez que não existe tratamento dedicado, além de existir um custo relativamente elevado do teste PCR”. Na sua opinião, “a investigação sobre o VSR nos idosos é fundamental para uma melhor compreensão da prevalência, do risco de disseminação em lares de idosos e outras instalações de saúde, do risco de resultados adversos e do uso inadequado de antibióticos, e ainda do impacto potencial das vacinas disponíveis”. Perspetivas futuras incluem “a priorização de esforços na consciencialização sobre o VSR”, considerando a preletora que “a população, e também os médicos, ainda não conhecem o impacto desta infeção”, bem como “uma melhor compreensão da relação custo-eficácia da prevenção do VSR, a definição da eficácia em diferentes subgrupos de risco, nomeadamente das pessoas com comorbilidades, e ainda a introdução de abordagens personalizadas de vacinação”. O que há de novo…na pneumonia pneumocócica Pedro Leuschner, internista no Centro Hospitalar Universitário de Santo António, começou por evidenciar que “a doença pneumocócica causa 1,6 milhões de mortes/ano, sendo a primeira causa de morte evitável por vacinação”. Relembrando existem dois tipos de vacinas aprovadas até ao momento – a tradicional polissacarídea e a vacina conjugada -, o orador destacou as vantagens desta última, que como referiu, “promove uma resposta inflamatória muito mais vigorosa e robusta, com vantagens não só na diminuição do risco de diferentes formas de infeção, mas também na persistência a mais longo termo da imunogenicidade, na redução do estado de portador orofaríngeo e na redução de morte por pneumonia”. Referindo-se à cobertura das várias vacinas - VPC13, 15, 20 e 23 -, o médico referiu que a “a VPC23, a mais recente aquisição, é a única que cobre todos os serotipos”, lamentando ainda que “apenas 17% das pessoas com indicação cumpram o esquema vacinal sequencial”. O especialista destacou em seguida, a importância da vacina 20-valente, defendendo que “representa bem os serotipos mais prevalentes na população adulta, tem um acréscimo de cobertura típica, permite uma imunidade duradoura, e é particularmente imunogénica e segura nas pessoas com > 65 anos, mesmo as que tiveram outras vacinas previamente (VPC13 e/ou VPP23), com a vantagem, em relação aos regimes sequenciais, de ter um regime vacinal mais fácil com uma inoculação única”. Ou seja, “a sua estratégia simples universal poderá garantir uma mais rápida e ampla cobertura da população elegível, a otimização dos custos com o benefício da obtenção de ganhos em saúde”, evidenciou. A propósito das recomendações nacionais, o palestrante criticou a norma da Direção-Geral da Saúde, por ser “extensa e de não muito fácil compreensão”, destacando que, em alternativa, o Núcleo de Estudos de Geriatria da SPMI produziu uma norma “mais fácil de entender” – embora ambas as orientações tenham surgido antes do licenciamento das vacinas conjugadas mais recentes. E essas vacinas mais recentes, como reforçou, “é que acabaram por justificar que o Grupo de Estudos de Doença Respiratória, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, tivesse produzido uma orientação (em 2022)”. Como explicou, “esta última norma estabelece uma sequência que dita que a inoculação com uma vacina conjugada 20- valente dispensa qualquer outra vacinação ao longo da vida. Já no caso das pessoas com uma vacina 15-valente, esses sim têm de fazer uma segunda inoculação com a 23-valente após um ano”. Além disso, “o documento também estabelece formas de atuar para quem já tem vacinações prévias, sendo que em quase todos os casos com vacina prévia justifica-se uma dose da 20-valente, porque, de facto, permite alcançar uma cobertura serotípica muito superior”. No final da comunicação Pedro Leuschner abordou ainda os fatores que contribuem para a subvacinação, destacando que “a responsabilidade compartilhada na comunicação entre profissionais de saúde e pacientes, o tempo limitado durante as consultas, a complexidade do tema e a falta de ênfase na prevenção são alguns dos desafios”. Além disso, mencionou “a influência de novos fenómenos, como o negacionismo e o conspiracionismo, na disseminação de informações erradas”, e ainda “a necessidade de envolvimento da tutela”. “Não estamos a conseguir que a mensagem da ciência chegue à tutela, pois a comparticipação destas vacinas já devia ter acontecido há muito tempo, pois sabemos que a doença pneumocócica é muito prevalente, tem uma elevada morbilidade associada, sobretudo em grupos de risco”, concluiu. Este conteúdo é da exclusiva responsabilidade e iniciativa editorial do Jornal Médico

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